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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Michael Jackson não era imortal

Quem disse que viajar no tempo é impossível? Um dia desse eu voltei no tempo, voltei aos meus onze anos de idade, precisamente no ano de 1983. Estava ouvindo uma radio FM online, e ouvi Thriller de Michael Jackson . lembro que estava em minha casa, estava assistindo televisão e dormindo. Acho que mais dormindo do que assistindo. Ouvi batidas desesperadas no portão da minha casa. Quando se tem onze anos, a preguiça parece ser maior do que quando se fica mais velho. Pedi que minha mãe fosse abrir o portão. - Abre você. Deve ser aquele seu amigo doido. Ele é o único que bate assim no portão dos outros. O amigo maluco que ela se referia era o Marcio, um gordinho que não parava quieto e quando queria mostrar algo para os amigos, ficava numa excitação tamanha que só acabava quando ele conseguia finalmente mostrar alguma novidade para os amigos. Fulo da vida levantei e fui abrir o portão. - Caramba cara, que que tu quer? -Caraca cara! Minha mãe comprou pra mim. Ela me deu. O compacto dele. Ele estava tão excitado que não estava conseguindo falar direito. - Minha mãe comprou o compacto do Michael Jackson. Ai toda a excitação dele passou para mim. - Caraca cara, vamos la ouvir. Tua mãe já chegou do trabalho? - Hoje ela chega mais tarde. - Mãe, vou na casa do Marcio. Depois eu volto. Fomos correndo para a casa dele. Entramos de qualquer maneira e ele foi logo colocando o disco na radio vitrola. Mal começou a tocar, a gente começou a gritar. - Caraca, muito maneiro. Gritamos e pulamos durante toda a musica, tentávamos acompanhar a musica em Inglês e levávamos muito bem no imbromation. Quando Vincent Price começou a falar. A gente quase teve um treco. Colocamos outra vez a musica, e depois outra e mais outra e mais outras. Só paramos de ouvir o disco quando os vizinhos reclamaram, dizendo que não aguentavam mais ouvir a mesma musica. Depois ficamos conversando sobre a musica, sobre Michael Jackson. Ficamos sem ouvir a musica por umas meia hora e depois colocamos de novo. Só paramos de ouvir quando a mãe do Marcio chegou, desligou a vitrola e deu uns tapas nele, por causa dos vizinhos fofoqueiros e me mandou embora dizendo que ia conversar com minha mãe depois. Quando a musica terminou abri os olhos. Infelizmente estava em 2013, onde nada mais é novidade, a internet torna tudo rápido e fácil demais. E eu que achava na minha infância que Michael Jackson era imortal, não era verdade. Michael Jackson não era imortal. Julio Pecly

terça-feira, 22 de outubro de 2013

BODAS DE OURO

As flores esmagadas pelo duro caminho em vossos passos, tão floridos, deixaram seus perfumes coloridos em vossa vida e em vosso amor maduro. Felicidade é um ar mais doce e puro, e o tempo vos encontra já sofridos... Os filhos são criados e vividos e os netos já caminham no futuro! E agora, ao som do tilintar das taças, felizes neste festival de graças que vosso lar recebe do Senhor, Só peço a Deus que afaste a nuvem triste, conserve em vós a luz que em vós existe, e seja amor, completamente amor! Eno Teodoro Wanke

sábado, 21 de setembro de 2013

OS TRINTA E CINCO CAMELOS

Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista. Encontramos, perto de um antigo caravançará meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios, gritavam possessos, furiosos: — Não pode ser! — Isto é um roubo! — Não aceito! O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava. — Somos irmãos — esclareceu o mais velho — e recebemos como herança esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo eu receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos. A cada partilha proposta, segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio! Como fazer a partilha, se a terça parte e a nona parte de 35 também não são exatas? — É muito simples — atalhou o “homem que calculava”. — Encarregar-me-ei de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal, que em boa hora aqui nos trouxe. Neste ponto, procurei intervir na questão: — Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem, se ficássemos sem o nosso camelo? — Não te preocupes com o resultado, ó “bagdali”! — replicou-me, em voz baixa, Beremiz. — Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás, no fim, a que conclusão quero chegar. Tal foi o tom de segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal, que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros. — Vou, meus amigos — disse ele, dirigindo-se aos três irmãos — fazer a divisão justa e exata dos camelos, que são agora, como vêem, em número de 36. E voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou: — Deves receber, meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, ou seja, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão. Dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou: — E tu, Hamed Namir, devias receber um terço de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação. E disse, por fim, ao mais moço: — E tu, jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, devias receber uma nona parte de 35, isto é, 3 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 4. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado. Numa voz pausada e clara, concluiu: — Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir — partilha em que todos os três saíram lucrando — couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um total de 34 camelos. Dos 36 camelos sobraram, portanto, dois. Um pertence, como sabem, ao “bagdali” meu amigo e companheiro; outro, por direito, a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança. — Sois inteligente, ó estrangeiro! — confessou, com admiração e respeito, o mais velho dos três irmãos. — Aceitamos a vossa partilha, na certeza de que foi feita com justiça e eqüidade. E o astucioso Beremiz — o “homem que calculava” — tomou logo posse de um dos mais belos camelos do grupo, e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia: — Poderás agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo manso e seguro. Tenho outro, especialmente para mim. E continuamos a nossa jornada para Bagdá. Malba Tahan

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Caboclo Roceiro

Caboclo Roceiro, das plaga do Norte Que vive sem sorte, sem terra e sem lar, A tua desdita é tristonho que canto, Se escuto o meu pranto me ponho a chorar Ninguém te oferece um feliz lenitivo És rude e cativo, não tens liberdade. A roça é teu mundo e também tua escola. Teu braço é a mola que move a cidade De noite tu vives na tua palhoça De dia na roça de enxada na mão Julgando que Deus é um pai vingativo, Não vês o motivo da tua opressão Tu pensas, amigo, que a vida que levas De dores e trevas debaixo da cruz E as crides constantes, quais sinas e espadas São penas mandadas por nosso Jesus Tu és nesta vida o fiel penitente Um pobre inocente no banco do réu. Caboclo não guarda contigo esta crença A tua sentença não parte do céu. O mestre divino que é sábio profundo Não faz neste mundo teu fardo infeliz As tuas desgraças com tua desordem Não nascem das ordens do eterno juiz A lua se apaga sem ter empecilho, O sol do seu brilho jamais te negou Porém os ingratos, com ódio e com guerra, Tomaram-te a terra que Deus te entregou De noite tu vives na tua palhoça De dia na roça , de enxada na mão Caboclo roceiro, sem lar , sem abrigo, Tu és meu amigo, tu és meu irmão. Patativa do Assaré

sexta-feira, 14 de junho de 2013

MEUS OITO ANOS

Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais! Como são belos os dias Do despontar da existência! — Respira a alma inocência Como perfumes a flor; O mar é — lago sereno, O céu — um manto azulado, O mundo — um sonho dourado, A vida — um hino d'amor! Que aurora, que sol, que vida, Que noites de melodia Naquela doce alegria, Naquele ingênuo folgar! O céu bordado d'estrelas, A terra de aromas cheia As ondas beijando a areia E a lua beijando o mar! Oh! dias da minha infância! Oh! meu céu de primavera! Que doce a vida não era Nessa risonha manhã! Em vez das mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minha irmã! Livre filho das montanhas, Eu ia bem satisfeito, Da camisa aberta o peito, — Pés descalços, braços nus — Correndo pelas campinas A roda das cachoeiras, Atrás das asas ligeiras Das borboletas azuis! Naqueles tempos ditosos Ia colher as pitangas, Trepava a tirar as mangas, Brincava à beira do mar; Rezava às Ave-Marias, Achava o céu sempre lindo. Adormecia sorrindo E despertava a cantar! Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! — Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras Debaixo dos laranjais! CASIMIRO DE ABREU

sábado, 1 de junho de 2013

Serás Ministro

— ESSE VAI SER MINISTRO — sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu. — E você, com esse ordenado micho de servente, tem lá poder pra fazer nosso filho ministro? — duvidou a mãe. — Então, só porque meu ordenado é micho ele não pode ser ministro? A Rádio Nacional deu que Abraão Lincoln trabalhava de cortar lenha no mato, e chegou a presidente dos Estados Unidos. — Isso foi nos Estados Unidos. — E dai? Nem eu estou querendo tanto pra ele. Só quero uma de Ministro. — Tonzinho, deixa isso pra lá. — Pra começar, a gente convida o Ministro pra padrinho dele. — O Ministro não vai aceitar. — Não vai por quê? Trabalho no gabinete há dois anos. — Ele é muito importante, filho. — Por isso mesmo. Com padrinho importante, o garotinho começa logo a ser importante. — O Ministro é tão ocupado, você mesmo diz. Vê lá se tem tempo pra batizar filho de pobre. — Pois sim. Ele me trata com toda a consideração, de igual pra igual. Hoje mesmo eu faço o convite. Fez. O Ministro não pôde comparecer, mas enviou representante. Era quase a mesma coisa. Na hora de dizer o nome do menino, o pai não vacilou; disse bem sonoro: — Ministro. — Como? — estranhou o padre. — Ministro, sim senhor. A mulher ia atalhar: "Tonzinho, não foi Antônio de Fátima que a gente combinou?" mas era tarde. No cartório, também estranharam: — Ministro por quê? — Porque eu escolhi. Acho lindo. — Não é nome próprio. — Pois eu cá acho muito próprio. Não tem ai uma família chamada Ministério, aliás com pessoas distintas, médicos, dentistas, etc.? — Tem. — Pois então. Meu filho é Ministro, só isso. Ministro Alves da Silva, futuro cidadão útil à Pátria. Tem alguma coisa demais? O garoto registrou-se. Cresceu. Na escola, a principio achavam-lhe graça no nome. Parecia apelido. Depois, o costume. Há nomes mais estranhos. Ministro não era o primeiro da classe, também não foi dos últimos. Já moço, o leque das opções não se abriu para ele. Entre o oficio sem brilho e o andar-térreo da burocracia, acabou sendo, como o pai, servente de repartição. Promovido a continuo. — Eu não disse? —- festejou o pai. — Começou a subir. O máximo que subiu foi trabalhar no gabinete do Ministro. — Ministro, o Sr. Ministro está chamando. — Ministro, já providenciou o cafezinho do Sr. Ministro? — Sabe quem telefonou pra você, Ministro? A senhora do Sr. Ministro. Diz que você prometeu ir lá consertar umas goteiras e esqueceu. — Ministro! Roncando na hora do expediente?! Começaram os equívocos: — Telefonema para o Ministro. — Qual? O Ministro ou o Sr. Ministro? — Este Ministro é um cretino! Me fez esperar uma hora nesta poltrona! — Perdão, Deputado, o senhor está ofendendo o Sr. Ministro. — Eu ? Eu ? Estou me referindo a esse animal, esse... Até que se apurasse que o animal era Ministro, o contínuo — que confusão! O Ministro de Estado, ciente da confusão, recomendou ao assessor: — Faça esse homem trocar de nome. — Impossível, Sr, Ministro. É o seu titulo de honra. — Então suma com ele da minha vista. Mandaram-no para uma vaga repartição de vago departamento. Queixou-se ao pai, aposentado, que isso de se chamar Ministro não conduz a grandes coisas e pode até atrasar a vida. — Ora, meu filho, hoje no bueiro, amanha no Pão de Açúcar. E você não tem de que se queixar. Num momento em que tanta gente importante sua a camisa pra ser Ministro, e fica olhando pro céu pra ver se baixa um signo do astral, você já é, você sempre foi Ministro, de nascença! de direito! E não depende de governo nenhum pra continuar a ser, até a morte! Abraçaram-se, chorando. Carlos Drummond de Andrade

sábado, 4 de maio de 2013

A Torcida

Mesmo antes de nascer, já tinha alguém torcendo por você. Tinha gente que torcia para você ser menino. Outros torciam para você ser menina. Torciam para você puxar a beleza da mãe, o bom humor do pai. Estavam torcendo para você nascer perfeito. Daí continuaram torcendo. Torceram pelo seu primeiro sorriso, pela primeira palavra, pelo primeiro passo. Seu primeiro dia de escola foi a maior torcida. E o primeiro gol, então? E de tanto torcerem por você, você aprendeu a torcer. Começou a torcer para ganhar muitos presentes e flagrar Papai Noel. Torcia o nariz para o quiabo e a escarola. Mas torcia por hambúrguer e refrigerante. Começou a torcer até para um time. Provavelmente, nesse dia, você descobriu que tem gente que torce diferente de você. Seus pais torciam para você comer de boca fechada, tomar banho, escovar os dentes, estudar inglês e piano. Eles só estavam torcendo para você ser uma pessoa bacana. Seus amigos torciam para você usar brinco, cabular aula, falar palavrão. Eles também estavam torcendo para você ser bacana. Nessas horas, você só torcia para não ter nascido. E por não saber pelo que você torcia, torcia torcido. Torceu para seus irmãos se ferrarem, torceu para o mundo explodir. E quando os hormônios começaram a torcer, torceu pelo primeiro beijo, pelo primeiro amasso. Depois começou a torcer pela sua liberdade. Torcia para viajar com a turma, ficar até tarde na rua. Sua mãe só torcia para você chegar vivo em casa. Passou a torcer o nariz para as roupas da sua irmã, para as idéias dos professores e para qualquer opinião dos seus pais. Todo mundo queria era torcer o seu pescoço. Foi quando até você começou a torcer pelo seu futuro. Torceu para ser médico, músico,advogado. Na dúvida, torceu para ser físico nuclear ou jogador de futebol. Seus pais torciam para passar logo essa fase. No dia do vestibular, uma grande torcida se formou. Pais, avós, vizinhos, namoradas e todos os santos torceram por você. Na faculdade, então, era torcida pra todo lado. Para a direita, esquerda, contra a corrupção, a fome na Albânia e o preço da coxinha na cantina. E, de torcida em torcida, um dia teve um torcicolo de tanto olhar para ela. Primeiro, torceu para ela não ter outro. Torceu para ela não te achar muito baixo, muito alto, muito gordo, muito magro Descobriu que ela torcia igual a você. E de repente vocês estavam torcendo para não acordar desse sonho. Torceram para ganhar a geladeira, o microondas e a grana para a viagem de lua-de-mel. E daí pra frente você entendeu que a vida é uma grande torcida. Porque, mesmo antes do seu filho nascer, já tinha muita gente torcendo por ele. Mesmo com toda essa torcida, pode ser que você ainda não tenha conquistado algumas coisas. Mas muita gente ainda torce por você!" Carlos Drumond de Andrade

sábado, 30 de março de 2013

PEQUENA ODE MINERAL

Desordem na alma que se atropela sob esta carne que transparece. Desordem na alma que de ti foge, vaga fumaça que se dispersa, informe nuvem que de ti cresce e cuja face nem reconheces. Tua alma foge como cabelos, cunhas, humores, palavras ditas que não se sabe onde se perdem e impregnam a terra com sua morte. Tua alma escapa como este corpo solto no tempo que nada impede. Procura a ordem que vês na pedra: nada se gasta mas permanece. Essa presença que reconheces não se devora tudo em que cresce. Nem mesmo cresce pois permanece fora do tempo que não a mede, pesado sólido que ao fluido vence, que sempre ao fundo das coisas desce. Procura a ordem desse silêncio que imóvel fala: silêncio puro. De pura espécie, voz de silêncio, mais do que a ausência que as vozes ferem. A MULHER SENTADA Mulher. Mulher e pombos. Mulher entre sonhos. Nuvens nos seus olhos? Nuvens sobre seus cabelos. (A visita espera na sala; a notícia, no telefone; a morte cresce na hora; a primavera, além da janela). Mulher sentada. Tranqüila na sala, como se voasse. IMITAÇÃO DAS ÁGUAS De flanco sobre o lençol, paisagem já tão marinha, a uma onda deitada, na praia, te parecias. Uma onda que parava ou melhor: que se continha; que contivesse um momento seu rumor de folhas líquidas. Uma onda que parava naquela hora precisa em que a pálpebra da onda cai sobre a própria pupila. Uma onda que parava naquela hora precisa em que a pálpebra da onda cai sobre a própria pupila. Uma onda que parava ao dobrar-se, interrompida, que imóvel se interrompesse no alto de sua crista e se fizesse montanha (por horizontal e fixa), mas que ao se fazer montanha continuasse água ainda. Uma onda que guardasse na paria cama, finita, a natureza sem fim do mar de que participa, e em sua imobilidade, que precária se adivinha, o dom de se derramar que as águas faz femininas mais o clima de águas fundas, a intimidade sombria e certo abraçar completo que dos líquidos copias. A MULHER E A CASA Tua sedução é menos de mulher do que de casa; pois vem de como é por dentro ou por detrás da fachada. Mesmo quando ela possui tua plácida elegância, esse teu reboco claro, riso franco de varandas, uma casa não é nunca só para ser contemplada; melhor: somente por dentro é possível contemplá-la. Seduz pelo que é dentro, ou será, quando se abra; pelo que pode ser dentro de suas paredes fechadas; pelo que dentro fizeram com seus vazios, com o nada; pelos espaços de dentro, não pelo que dentro guarda; pelos espaços de dentro: seus recintos, suas áreas, organizando-se dentro em corredores e salas, os quais sugerindo ao homem estâncias aconchegadas, paredes bem revestidas ou recessos bons de cavas, exercem sobre esse homem efeito igual ao que causas: a vontade de corrê-la por dentro, de visitá-la. QUESTÃO DE PONTUAÇÃO Todo mundo aceita que ao homem cabe pontuar a própria vida: que viva em ponto de exclamação (dizem: tem alma dionisíaca); viva em ponto de interrogação (foi filosofia, ora é poesia); viva equilibrando-se entre vírgulas e sem pontuação (na política): o homem só não aceita do homem que use a só pontuação fatal: que use, na frase que ele vive o inevitável ponto final. João Cabral de Melo Neto

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Os Nove Bilhões de Nomes de Deus O doutor Wagner conseguiu reprimir-se. Era meritório. Depois disse: - O seu pedido é um pouco desconcertante. Que eu saiba, é a primeira vez que um mosteiro tibetano faz a encomenda de um calculador eletrônico. Não quero ser curioso, mas estava longe de pensar que semelhante instituição pudesse necessitar desta máquina. Posso perguntar-lhe em que deseja utilizá-la? O Lama ajeitou as dobras de sua túnica de seda e pousou sobre a secretária a régua de calcular com a qual acabava de fazer conversões libra-dólar. - Naturalmente. O seu calculador eletrônico tipo 5 pode fazer, segundo diz o catálogo, todas as operações matemáticas até 10 decimais. No entanto, o que me interessa são letras, não números. Pedir-lhe-ei portanto que modifique o circuito de saída de forma que imprima letras em vez de colunas de números. - Não compreendo muito bem… - Desde que a nossa instituição foi fundada, há mais de três séculos, que nos consagramos a um determinado trabalho. É um trabalho que pode parecer-lhe estranho e peço-lhe que me escute com a maior largueza de espírito. - De acordo. - É simples. Tentamos organizar a lista de todos os nomes possíveis de Deus. - Perdão? O lama continuou imperturbavelmente: - Temos excelentes motivos para crer que todos esses nomes incluem quando muito nove letras do nosso alfabeto. - E ocuparam-se disso durante três séculos? - Sim. Tínhamos calculado que precisaríamos de quinze mil anos para terminar o trabalho. O doutor deu um assobio de vencido, e disse um pouco atordoado: - O.K., agora compreendo o porque deseja alugar uma das nossas máquinas. Mas qual é o objetivo da operação? Durante uma fração de segundo o lama hesitou e Wagner receou ter ofendido aquele estranho cliente que acabara de fazer a viagem Lassa-Nova Iorque com uma régua de calcular e o catálogo da companhia de contadores eletrônicos no bolso de sua túnica cor de açafrão. - Chame a isto um ritual se quiser – disse o lama – mas é uma da bases fundamentais da nossa religião. Os nomes de Ser Supremo, Deus, Júpiter, Jeová, Alá etc., não passam de etiquetas feitas pelos homens. Certas considerações filosóficas demasiado complexas para que as possa expor agora, deram-nos certeza de que, entre todas as perguntas e possíveis combinações das letras, se encontram os verdadeiros nomes de Deus. Ora, o nosso objetivo é descobri-los e escrevê-los todos. - Já compreendo: Começam por A.A.A.A.A.A.A.A.A., e acabarão por chegar a Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z. - Simplesmente utilizamos o nosso alfabeto. Evidentemente que lhe há de ser fácil modificar a máquina de escrever elétrica, de forma que ela utilize nosso alfabeto. Mas o problema mais importante será o de preparar os círculos especiais de forma que eliminem antecipadamente as combinações inúteis. Por exemplo, nenhuma das letras deve aparecer mais de três vezes sucessivamente. - Três? Quer dizer duas. - Não. Três. Mas a explicação completa exigiria muito tempo, mesmo que o senhor compreendesse a nossa língua. Wagner disse precipitadamente: - Claro, claro. Continue por favor. - Ser-lhe-á fácil adaptar o calculador automático em função desse objetivo. Com um plano bem elaborado, uma máquina desse gênero pode trocar as letras umas após outras e imprimir um resultado. Desta forma, concluiu calmamente o lama, aquilo que nos levaria ainda quinze milênios estará terminado em cem dias. O Doutor Wagner sentia que ia perdendo o sentido das realidades. Através das janelas do edifício, os ruídos e as luzes de Nova Iorque perdiam a intensidade. Sentia-se transportado a um mundo diferente. Lá longe, no seu longínquo asilo montanhoso, geração após geração, os monges tibetanos há trezentos anos elaboravam sua lista de nomes desprovidos de sentido… Não havia então limite para a loucura dos homens? Mas o Doutor Wagner não devia deixar transparecer os seus pensamentos. O cliente tem sempre razão… E respondeu: - Não duvido que possam modificar a máquina do tipo 5, de forma a imprimir listas desse gênero. A instalação e a conservação é que mais me inquietam. Aliás, não será fácil enviá-la para o Tibete. - Nós trataremos disso. As peças separadas têm dimensões suficientemente pequenas para serem transportadas por avião. De resto, foi esse o motivo porque escolhemos a máquina. Envie as peças para a Índia, nós nos encarregamos do resto. - Deseja contratar dois dos nossos engenheiros? - Sim, para montarem e vigiarem a máquina durante esses cem dias. - Vou mandar instruções à direção de pessoal – disse Wagner enquanto escrevia na agenda. – Mas restam duas questões a resolver… Antes que tivesse podido terminar a frase, o lama tirou do bolso uma delgada folha de papel: - Esta é a situação de minha conta no Banco Asiático. - Muito obrigado. Está muito bem… Mas, se me permite, a segunda questão é de tal maneira elementar que hesito em mencioná-la. Acontece muitas vezes esquecermos qualquer coisa evidente… Têm uma fonte de energia elétrica? - Temos um gerador Diesel elétrico de 50 KW de potência, 110 volts. Foi instalado há cinco anos e funciona bem. Facilita-nos a vida no convento. Compramo-lo sobretudo para acionar os moinhos de orações. - Ah! Sim, evidentemente, eu devia ter pensado nisso… Do parapeito a vista era vertiginosa, mas habituamo-nos a tudo. Tinha decorrido três meses e George Hanley já não se importava com os seiscentos metros em vertical que separavam o mosteiro do quadriculado dos campos da planície. Apoiado sobre as pedras que o vento arredondara, o engenheiro contemplava com olhar triste as montanhas longínquas de que ignorava o nome. “A operação nome de Deus”, como batizara um humorista da Companhia, era sem dúvida a pior tarefa de louco em que jamais participara. Semana após semana, a máquina tipo 5, modificada, cobrira milhares de folhetos de uma incrível algaravia. Paciente e inexorável, o calculador reunira as letras do alfabeto tibetano em todas as combinações possíveis, esgotando série após série. Os monges recortavam certas palavras à saída da máquina de escrever elétrica e colavam-nas com devoção em enormes registros. Dentro de uma semana acabariam. Hanley ignorava quais os cálculos obscuros que os levavam à conclusão de que não deviam estudar conjuntos de dez, vinte, cem mil letras, e nem pretendia sabê-lo. nos seus pesadelos sonhava às vezes que o grande lama decidiria bruscamente complicar um pouco mais a operação e que o trabalho continuaria até o ano 2060. Aliás aquele estranho homenzinho parecia perfeitamente capaz de o fazer. A pesada porta de madeira estalou. Chuck vinha ter com ele no terraço. Chuck fumava, como de costume, um charuto: tornara-se popular com os lamas distribuindo-lhes havanas. Aqueles tipos poderiam ser completamente amalucados – pensou Hanley – mas não eram puritanos. As freqüentes expedições a aldeia não tinham sido desprovidas de interesse… - Ouve, George – disse Chuck – vamos ter aborrecimentos. - A máquina escangalhou-se? - Não. Chuck sentou-se sobre o parapeito. Era espantoso, pois habitualmente receava ter vertigens: - Acabo de descobrir o objetivo da operação. - Mas já o sabíamos! - Sabíamos o que os monges queriam fazer, mas não sabíamos por quê. - Bah! São uns loucos… - Escuta, George, o velho acaba de explicar-me. Eles crêem que assim que tenham escrito todos aqueles nomes ( e segundo pensam são cerca de nove bilhões), o objetivo divino será atingido. A raça humana terá realizado a tarefa para que foi criada. - E então? Esperam que nos suicidemos? - Inútil. Quando a lista estiver terminada, Deus intervirá e será o fim. - Quando terminarmos, será então o fim do mundo? Chuck teve um risinho nervoso: - Foi o que eu disse ao velho. Ele olhou-me de forma estranha, como um professor olha para um aluno particularmente estúpido, e disse-me: “Oh, não será assim tão insignificante!…” George refletiu por um instante. -É um tipo que visivelmente tem idéias largas, mas, mesmo assim, que importância tem isso? Nós já sabíamos que eram uns loucos. - Sim. Mas não vês o que pode acontecer? Se a lista ficar pronta e se as trombetas do anjo Gabriel, versão tibetana, não soarem, eles podem decidir que é por nossa culpa. Afinal de contas, era a nossa máquina que eles utilizavam. Não gosto disso… - Percebo… – disse lentamente Jorge – mas eu já vi tanta coisa! – Quando era garoto na Luisiana, apareceu um pregador que anunciou o fim do mundo para o domingo seguinte. Houve centenas de tipos que acreditaram nele. Alguns mesmo chegaram a vender suas casas. Mas ninguém se endureceu no domingo seguinte. As pessoas pensaram que ele apenas errara um pouco os cálculos, e muitas delas ainda acreditam. - Caso não te tenhas apercebido faço-te notar que não estamos na Luisiana. Estamos ambos sozinhos, no meio de centenas de monges. Adoro-os, mas preferia estar longe quando o velho lama aperceber-se que a operação falhou. - Há uma solução. Uma pequenina sabotagem inofensiva. O avião chega dentro de uma semana e a máquina termina o trabalho dentro de quatro dias à razão de 24 horas por dia. Basta-nos começar a reparar qualquer coisa durante dois ou três dias. Se calcularmos bem, poderemos estar lá embaixo, no aeroporto, quando o último nome sair da máquina. Sete dias mais tarde, enquanto os pequenos pôneis das montanhas desciam o caminho em espiral, Hanley disse: - Sinto um pouco de remorsos. Não fujo por medo, mas porque tenho pena. Não gostaria de ver a cara daqueles pobres homens quando a máquina parar. - Na minha opinião – disse Chuck – eles desconfiaram que fugimos, e não se incomodaram. Agora já sabem até que ponto a máquina é automática, e que não precisa de vigilância. E supõem que não haverá nenhuma depois. George voltou-se para trás e olhou. Os edifícios do mosteiro apareciam em silhueta escura sobre o poente. De vez em quando brilhavam pequeninas luzes sob a massa sombria das muralhas, como as vigias de um navio singrando no mar. Lâmpadas elétricas colocadas sobre o circuito da máquina n.º 5. Que aconteceria ao calculador elétrico? – pensou George. – Na fúria e desapontamento iriam os monges destruí-lo? Ou então recomeçariam tudo? Como de ainda lá estivesse, via o que naquele momento se passava na montanha atrás das muralhas. O grande lama e os seus assistentes examinavam as folhas, enquanto alguns noviços recortavam os nomes barrocos e os colavam no enorme caderno. e tudo aquilo era feito em religioso silêncio. Só se ouviam as teclas da máquina, batendo no papel como se fossem chuva miúda. O próprio calculador, que combinava milhares de letras por segundo, estava completamente silencioso… A voz de Chuck interrompeu o seu devaneio: - Lá está ele! Que grande alegria que dá! Semelhante a uma minúscula cruz prateada, o velho avião de transportes D.C.3 acabava de pousar lá embaixo no pequeno aeródromo improvisado. Aquela visão dava vontade de beber um grande copo de uísque gelado. Chuck começou a cantar, mas depressa se calou. As montanhas não o encorajavam. George consultou o relógio. - Estaremos lá dentro de uma hora – disse. E acrescentou: – Pensas que o cálculo já terminou? Chuck não respondeu e George levantou a cabeça. Viu o rosto de Chuck muito branco, voltado para o céu. - Olha – murmurou Chuck. George, por sua vez, levantou os olhos. Pela última vez, por cima deles, na paz das alturas, uma a uma as estrelas começavam a extinguir-se… Arthur C. Clarke

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Alcoólicas

É crua a vida. Alça de tripa e metal. Nela despenco: pedra mórula ferida. É crua e dura a vida. Como um naco de víbora. Como-a no livor da língua Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me No estreito-pouco Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida Tua unha plúmbea, meu casaco rosso. E perambulamos de coturno pela rua Rubras, góticas, altas de corpo e copos. A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos. E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima Olho d'água, bebida. A Vida é líquida. Também são cruas e duras as palavras e as caras Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte É um rei que nos visita e nos cobre de mirra. Sussurras: ah, a vida é líquida. E bebendo, Vida, recusamos o sólido O nodoso, a friez-armadilha De algum rosto sóbrio, certa voz Que se amplia, certo olhar que condena O nosso olhar gasoso: então, bebendo? E respondemos lassas lérias letícias O lusco das lagartixas, o lustrino Das quilhas, barcas, gaivotas, drenos E afasta-se de nós o sólido de fechado cenho. Rejubilam-se nossas coronárias. Rejubilo-me Na noite navegada, e rio, rio, e remendo Meu casaco rosso tecido de açucena. Se dedutiva e líquida, a Vida é plena. Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado Salpicado de negro, de doçuras e iras. Te amo, Líquida, descendo escorrida Pela víscera, e assim esquecendo Fomes País O riso solto A dentadura etérea Bola Miséria. Bebendo, Vida, invento casa, comida E um Mais que se agiganta, um Mais Conquistando um fulcro potente na garganta Um látego, uma chama, um canto. Amo-me. Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos Quando não sou líquida. Hilda Hilst

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Oscar Niemeyer, o imortal abduzido.

Retornando do interior da Bolívia, estava eu absorto, entretido numa página em branco do Word, os dedos apostos sobre o teclado do laptop aguardavam sintonia adequada para inundar a tela com palavras que pudessem retratar algum fato ocorrido na viagem até que, surpreendido por balbucios, ouço acidentalmente a conversa dos vizinhos das poltronas de traz... Sem resistir aquele comentário os dedos iniciaram - quase que involuntariamente - vigoroso sapateado sobre o tablado das letras. * Como assim?!?!?! Não! Não! Só pode ser brincadeira. Se Elvis que era cara comum, um sujeito como outro qualquer, há quem brade a plenos pulmões que ele não morreu! Porque aquele que talvez seja o único genuinamente imortal do globo morreria? Os deuses da literatura assim que são entronados na ABL são condecorados com o nobre e honroso título de “Imortais”. Status que todos sabemos ser meramente simbólico, fictício, mas em se tratando do nosso pra lá de centenário arquiteto, isto é um fato, é verídico. “Oscar Niemeyer morreu”. Chupa essa manga!!!! Entre numa tendinha, por exemplo. Num lugar publico qualquer onde o povão fervilhe e pergunte a qualquer um sobre a idade daquele que edificou Brasília, e não se surpreenda se uma ou algumas pessoas responderem sem titubear, com firmeza e imprecisão. “110 ou 112 anos”. É provável que as especulações ganhem números ascendentes. “que nada, ele já passou disso! deve estar com quase 120, se não for mais!”. “que 120! ele deve estar beirando os 145”. A verdade é que ninguém confirmaria essa idade, mas também tenho certeza que ninguém duvidaria. Nós brasileiros, num contexto geral nos habituamos, nos adaptamos a ininterrupta e longeva marcha existencial que o arquiteto imprimiu no subconsciente da nação, das pessoas que em algum momento do cotidiano perguntam despretensiosa e corriqueiramente sobre Oscar Niemeyer, como ele está, qual sua atual idade... Perguntas comuns e corriqueiras que pululam nos mais remotos cantos do nosso Brasilzão, como quem pergunta pelo placar de uma partida de futebol. Todos, mesmo sabendo que a imortalidade é fruto da ficção, mesmo cientes dessa impossibilidade, lá no fundo acreditamos na imortalidade de Niemeyer. Essa possibilidade foi construída sem questionamentos, sem o peso desconcertante que as coisas extraordinárias causam. Esse fato foi penetrando e se fixando na cultura nacional de tal forma que ninguém parou para analisa o tamanho dessa aberração, simplesmente aceitaram essa condição de vida eterna. Ansiamos sem perceber por informações. Sejam numa nota de jornal, num noticiário televisivo, na internet ou até mesmo através de um amigo de trabalho, de um parente ou vizinho; algo ou alguém que nos sacie a sede de informação, que nos diga algo sobre o nosso imorredouro projetista. Quando os comentários não circulam, quando a estiagem de informações é longa, uma angustia, um inexplicável vazio nos acomete e esse peso estranho só desaparece quando as notícias informam que o último representante do clã dos “Macleod” soprou mais uma chama. Morre fulano, empacota sicrano, bate as botas beltrano... Mas o Oscar tá lá, firme. Ignorando ou ignorado pela morte, rompendo anos, apagando velinhas. Nessa marcha, de ano em ano, de década em década ele atravessou as fases, varou a 3ª idade, desdenhou da velhice, tornou-se ancião e sem ser detido conquistou a imortalidade. É verdade que ele tem andado um tanto quanto debilitado. As estadias nos hospitais tem se tornado frequente, mas e daí? Quem nunca se hospitalizou? Quem nunca passou por sucessivos exames? Momentos ruins são comuns em qualquer idade, mas daí morrer é muito diferente, é inconcebível. É sem dúvidas uma das maiores brincadeiras que a nação brasileira já sofreu. “Oscar Niemeyer morreu!”. Chupa essa manga!!!! * Pequena pausa para refletir e analisar o texto. O voo já se aproximava do seu destino, o aeroporto do Rio já inundava as vistas, do outro lado era possível vislumbrar a nave Niteroiense. O MAC era imponente e tornava as terras de Araribóia diferente, privilegiada. É isso!... * Os dedos prosseguiam em seu balé literário. Abduzido talvez! Convocado para projetar naves espaciais modernas, mais sofisticadas para os “manos” de outros orbes ou quem sabe tenha ido buscar inspirações em outros planetas para no futuro nos presentear com construções mais brilhantes, mais extraordinárias, mais curvilíneas. * No desembarque, guardei meus pertences com proposital lentidão, afim de que pudesse percorrer com os olhos a estirpe dos sujeitos que proclamaram aquela aberração. Eram dois Bolivianos de meia idade, cabelos grisalhos, trajados com ternos escuros, bem alinhados. Aparentavam ser empresários. Por de traz, acompanhando seus passos eu sacudia a cabeça em negação e resmungava mentalmente comigo mesmo “ Como podem falar uma bobagem dessas?” Assim que pus os pés do lado de fora do avião, um objeto grande que pairava no ar atraiu minha atenção, fez com que minha face se volvesse para o alto em sua direção. Olhei ao derredor e as pessoas seguiam tranquilas, em profunda alienação ao objeto que me petrificara. No interior do flutuante, através de uma espécie de vitral, similar a uma escotilha, um homem idoso acenava com a mão trêmula em minha direção. Atordoado e pasmo, com o coração a tamborilar cheguei a pensar em alucinação, pois somente eu enxergava aquilo. O idoso abriu a “escotilha”, deixou cair algo no solo. A nave partiu célere num movimento vertical e desapareceu nas nuvens como num acender ou apagar de lâmpada. Obvio que fui verificar de que se tratava. Depois de alguns passos, agachei e recolhi do chão os dois instrumentos, caminhei para o saguão do aeroporto, sentei-me, religuei o laptop para finalizar o texto enquanto avaliava o compasso e o escalímetro que acabara de pegar. Enquanto a máquina iniciava fui cumprimentado por um antigo vizinho que passou acompanhando uma bela e madura mulher. Abraçou-me efusivo e indagou “Está chegando ou partindo Dr Ernesto?” retribuí o carinho e informei que esta chegando. Ambos partiram embalados por uma conversa agradável e finalmente pude concluir o texto. * Está efetivamente comprovado “Oscar Niemeyer não morreu e ponto final” * - Quem é o sujeito? A mulher perguntou ao meu vizinho sobre mim. - Dr. Ernesto. Duvidoso médico psiquiatra. Respondeu de pronto enquanto prosseguiam, e acrescentou. “Dizem que ele é metido nesse negócio de ufologia”. Marco Antonio Rodrigues