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quarta-feira, 24 de março de 2010

Adriana

Já era a terceira pedra de craque que adriana ia fumar no dia, ainda nem eram três da tarde. A primeira conseguiu comprar com a venda de um saco cheio de latinhas de alumínio no ferro velho, a segunda ela tinha conseguido roubando um dinheiro na casa da própria avó. Sabia que ela tinha ido ao banco pegar a aposentadoria, quando ela voltou para casa, Adriana pediu que lhe desse café com pão. Enquanto a idosa foi na geladeira buscar manteiga, Adriana foi na Cristaleira e roubou o dinheiro que estava escondido dentro de um pote de sorvete. Por azar, só achou dez reais. Depois de muitos roubos seguidos, dona Fininha não guardava mais dinheiro na Cristaleira, deixava só um pouco, o do ladrão, para que a neta viciada em craque pudesse roubar, não queria correr o risco de apanhar caso ela achasse nada. A terceira pedra que ela estava prestes a fumar, conseguiu pagando um boquete na pica mole de um velho que é dono de uma birosca. O pior de tudo, o que ela mais detestava, era ter que engolir porra. Mas o velho sempre pedia que ela fizesse isso.
Apesar de estar magra, adriana era bonita, tinha belos olhos azuis, cabelos bem pretos e lisos, apesar de estarem ensebados, por causa do desleixo dos viciados, uma bunda empinadinha e bonita, com um cu que sempre lhe rendia uma boa grana quando ela ia fazer pista.
Pegou a terceira pedra, botou na marica, acendeu com o isqueiro e quando deu a primeira puxada! A pancada foi grande, parecia um soco do Mike Tyson, depois veio uma sensação de alivio, que durou, 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10 segundos e depois veio a tristeza, a fome e a vontade de fumar mais uma pedra. Primeiro foi comer na casa da mãe e depois na casa de um ex-bandido que tomou um tiro na coluna e ficou paraplégico, deixar ele chupar a boceta dela por cinco reais, se dessa vez ele quisesse enfiar o dedo no cu dela, teria que pagar mais cinco reais, talvez até rolasse uma chupada no peitinho.- pensou ela.
A primeira vez que Adriana viu matrix, foi quando ela tinha treze anos e estava sentada no portão de casa, viu aquele negro bonito, de cabelos lisos, barriga de tanquinho, sentiu um troço esquisito. Ele estava no meio de um bonde, com uns dez caras, ele deixou os outros e foi na direção dela. Ela gostou muito de ver aquele fuzil AK-47 pendurado no pescoço dele, ficou tão excitada que depois foi para o banheiro tocar uma siririca. Matrix ficou olhando para ela e disse:
- Aí! Depois posso voltar aqui e te dar um papo?
- Pode sim!
- Tu vai dar mole! Cola com ele! Como a de fé ele vai te dar tudo. Só não aceita ser lanchinho da madrugada, tu é muito bonita e tem que ser a de fé.
Adriana sempre seguia os conselhos de sua amiga July e decidiu sair com matrix. Tinha ouvido falar que ele veio de uma outra favela e agora na nova favela, ele assumiu o cargo de gerente da cocaína, um cargo muito alto na hierarquia do trafico.
Ele voltou mesmo. Conversaram por um bom tempo, meia hora depois Adriana já estava apaixonada, dois meses depois estavam morando juntos, três meses depois estava grávida e dois anos depois já tinha dois filhos.
O inicio do casamento foi ótimo, transavam o tempo todo, quatro, cinco vezes ao dia, teve um dia que estava frio e chuvoso, transaram oito vezes no mesmo dia, transavam e fumavam maconha. A principio Adriana se opôs a maconha, porem de tanto matrix falar que transar chapado era muito mais gostoso. Ela aceitou, gostou e daquele dia em diante, só transava chapada de maconha, depois passou a envenenar a maconha com cocaína. Cocaína ele conheceu depois de uma briga com matrix, onde ele a deixou toda machucada e com muitos hematomas. Tentando esquecer da coça, apertou um baseado e fumou sozinha. Matrix sempre deixava em casa alguns papelotes de cocaína, que eram para seu uso particular, Adriana cheirou os três papelotes que estavam guardado dentro de uma caixa de sapato. Desse dia em diante a cocaína nunca mais saiu de sua vida.
Um belo dia Adriana estava dormindo de tarde, já tinha feito o almoço, dado para as crianças comerem, viu a novela da tarde e foi tirar um cochilo. Acordou com July batendo violentamente na porta de seu barraco, levantou meia tonta e abriu a porta.
- O que foi July? Que desespero é esse?
- mataram o matrix!
- O que?
- Os “home” mataram o Matrix lá em cima da ponte!
Adriana começou a chorar, ela pediu a Deus que não fosse seu marido, porem no fundo, ela sabia que era ele. Deixou as crianças com a vizinha e foi ver o corpo. Quando chegou na ponte, de longe pode ver uma multidão e um camburão. Foi passando pelo meio da multidão e viu um corpo estirado no chão, coberto com um plástico preto. Deu um grito desesperado e correu na direção dele, foi impedida de ver o corpo por um policial.
- Deixa eu ver meu marido moço!
- não pode mexer no corpo! Tem que aguardar a perícia chegar. – falo secamente o policial.
- Ele é meu marido moço! O senhor não pode fazer isso. _ retrucou adriana.
O policial ia barra-la. Quando ouviu a multidão começar a gritar. Assassinos! Assassinos! Deixou Adriana passar e pediu reforços. Adriana se abaixou, tirou o plástico de cima do corpo do marido, pensava em dar um ultimo abraço nele. Desistiu quando viu o estrago que um tiro de fuzil fez no rosto dele. O crânio estava esfacelado, tinha um buraco tão grande que cabia uma mão fechada e havia muitos pedaços de miolos espalhados. Do rosto bonito, não sobrou nada. Não teria nem velório.
A boca pagou as despesas, velaram o corpo na associação de moradores, a empresa local de ônibus, emprestou um ônibus para levar os amigos e familiares de matrix ao cemitério. A empresa tinha um acordo com o trafico, se os traficantes impedissem que acorressem assaltos nos ônibus na área da favela, sempre que necessário, a empresa cederia ônibus para os enterros. Depois que voltou do cemitério e ficou sozinha com os filhos, Adriana sentou na beirada da cama e chorou. Na sua mente tinha uma pergunta. O que vai ser da minha vida e dos meus filhos. Durante três meses, conseguiu viver bem, matrix deixou uma boa quantidade de dinheiro guardado no banco e uma boa quantidade de ouro e prata. Vendendo tudo aos poucos se sustentou durante um bom tempo. Quando o dinheiro acabou, teve que arrumar um trabalho para sustentar os filhos, o único que conseguiu foi num ferro velho onde fazia a separação dos materiais recicláveis e foi nesse trabalho que conheceu o craque e passou a usa-lo desesperadamente, tentando esquecer um pouco da vida. E esqueceu tão bem, que em determinada vez, ficou usando craque por dois dias seguidos e não foi em casa cuidar dos filhos. Quando despertou e lembrou dos filhos, foi correndo para casa e não os encontrou lá. Suja e desesperada, saiu perguntando aos vizinhos se eles sabiam o que tinha acontecido com os dois filhos.
- Seu pai veio aqui e levou as crianças com ele. – explicou uma vizinha.
Adriana foi até a casa dos pais e perguntou ao seu pai, seu Antonio, onde estavam os seus filhos.
- Seus filhos estão comigo! – explicou o pai.
- Eu quero meus filhos!
- Pra que você quer os seus filhos? Quando eu peguei eles lá, as crianças estavam sujas e morrendo de fome.
- Mas são meus filhos. – tentou argumentar Adriana.
- Seus filhos? Você não cuida nem de você mesmo. Olha o seu estado. Depois que você voltou da clinica, parece que voltou pior. Eu vou cuidar dos seus filhos, eles não tem culpa da mãe que tem.
- Eu amo meus filhos pai!
- Ama nada! Você não ama nem a si mesmo. Olha o seu estado, você esta um farrapo humano. Quem não se ama, não consegue amar aos outros. Eu já decidi, eu vou cuidar dessas crianças, eles são meus netos e merecem uma vida digna.
- Eu posso ver eles pai, antes de ir embora?
- Não nesse estado. Se quiser ver eles só vou deixar quando você vier limpa e no seu estado normal, nem venha drogada que eu não vou deixar você ver as crianças.
Adriana saiu dali arrasada, parou num botequim, um cara pagou umas cervejas para ela, depois transaram no banheiro do boteco, ela ganhou cinco reais e foi para a boca comprar uma pedrinha. Adriana foi na casa do ex-bandido, desenrolaram e ela saiu de lá com dez reais, foi direto na boca. Alem da marica ela sempre carregava numa bolsinha algumas coisas de seu uso, fotos dos filhos, cigarros e um isqueiro. Comprou uma pedra de dez, sentou na beirada da calçada, suas mãos tremiam, sentia uma coisa estranha em seu intimo, um sentimento de tristeza, uma falta de expectativas, um vazio dentro de si. Só que desse vez, tudo isso vinha multiplicado por dez, nunca sentira algo assim antes. Colocou a pedra na marica e deu uma puxada, depois deu outra. Sentiu uma tonteira, sentiu algo saindo de dentro dela, algo que não dava para ninguem ver, somente ela. Sua vista ficou escura, sentiu como estivesse caindo num buraco escuro e depois não sentiu mais nada. Estava livre da vida miserável que tivera.
- Porra! Mais um viciado que morre perto da boca. Seus filhas da puta. – os dois vapores que estavam na boca olharam para o patrão. – Não disse que não era pra deixar ninguem fumar craque perto da boca!
- Foi mal aí patrão, nem vi essa doida aí. – respondeu um dos vapores.
O patrão pegou um radio e ligou para um comparsa.
- Qual foi! Manda alguém aqui na b3 com um carrinho de mão e gasolina. Não! Não é pra queimar x-9 nenhum. Uma cracuda morreu de overdose aqui. Da um sumiço no corpo. Queima e depois joga na lagoa.
E desligou o radio.

Julio Pecly

sexta-feira, 12 de março de 2010

O Drama de Um Detetive Sentimental em Busca de um Serial Killer Amoroso

Já faz duas semanas que estou no encalço deste perigoso meliante. Ele é um mistério, e os mistérios são tão fascinantes! Há duas semanas que mal como, não durmo, e não paro de pensar. Pensar é meu mal. Meu maior defeito. Minha doença. Quem me dera poder calar o meu pensamento. Quem me dera poder enfiar uma faca nele, ou dar um tiro de trinta e oito. Quem sabe assim ele não se cala! Pensamento idiota! Parece um garoto burguês, birrento e hiperativo. Pula, grita, apronta, chora, corre veloz e irrefreável. Mas nunca para. Nem na hora de dormir! Quisera eu ter um trinta e oito! É nessas horas que me arrependo de não ter servido o exército. Agora tenho que tolerar esse moleque birrento. Atualmente ele só quer buscar uma coisa: encontrar esse terrível meliante. Ele é minha obsessão, meu eixo, meu objetivo, meu alvo. Eu não sou normal. Não sou uma pessoa centrada, organizada, batizada, coisada. Eu tenho sérios desvios de personalidades. E a principal delas, a minha marca de nascença, é justamente a minha obsessão doentia por mistérios. Os mistérios são tão fascinantes! Quando pequenino, meu desenho favorito era Scooby Doo. Mas com o tempo eu vi que todas as soluções eram tão óbvias que nem valia a pena assistir. A única coisa que realmente me fazia assistir o desenho era a Velma, que fazia o meu gênero de garota. Até hoje tenho esse padrão de beleza. Sempre me interesso por garotas que tenham esse mesmo estilo dela, e, principalmente, a mesma inteligência dedutiva. Isso é justamente o que a deixava mais sexy! O jeito como ela graciosamente resolvia os mistérios... Sempre busquei a minha Velma nas garotas com quem me relacionei. Busco nessas garotas aquilo que não pude realizar com a Velma, já que ela é só um cartoon. Ah, quem me dera, conhecer Hanah e Barbera, para me dar uma Velma! Amanheci com um jeito meio poético hoje. É o que acontece comigo sempre que eu amanheço por mais de três dias sem pregar os olhos. Vai ver que é por isso que eu pisco tanto. Quando eu cresci, comecei a me interessar por coisas mais adultas, como Batman e Death Note. Nossa, L era meu ídolo, e Raito era meu ídolo! Meus olhos faiscavam de ver os dois se enfrentando em jogos de mistério tão acirrados! Algumas vezes, não muitas, eu conseguia me antecipar a eles, e prever algumas reações. A sacada é que eu não agia como se fosse uma situação real. Eu nunca tentei entrar na mente de L ou de Raito Yagami. Porque eu sabia que o mundo em que essa história acontecia, por mais similar que fosse com o nosso, ainda era um mundo que só existia na mente insana do autor. Aí é que eu entrava. Sempre tentei entrar na mente de Takeshi Obata. Ele era meu objetivo. Eu desvendei a mente dele. Sim, posso dizer isso sem medo de ser pedante. Nos últimos volumes do mangá, eu já era capaz de "adivinhar" cada passo do próximo. Eu me sentia o próprio autor. EU era Takeshi Obata! Meus colegas da época chegavam a ficar putos, porque eu sempre adivinhava o próximo volume. Alguns, indignados, pararam de comprar. Achavam que eu havia descoberto alguma fonte secreta por onde as resenhas estavam vazando. Não deixa de ser verdade. A fonte era a própria mente de Takeshi Obata. Nessa mesma época, comecei a conhecer meus mestres, irredutíveis: Augustin Dupin, que vem a ser um avatar de Edgar Allan Poe, Hercule Poirot, que vem a ser um avatar de Aghata Crhistie, e Sherlock Holmes, que vem a ser um avatar de Sir Arthur Conan Doyle. Não faço nada sem consultar meus mestres. Claro, sem contar com inúmeros outros não mestres mas que foram essenciais para o aprofundamento do meu desvio de personalidade, como Rubem Fonseca, com seu Mandrake, ou Marcos Rey. De certa forma, eles foram responsáveis pela minhas exdrúxulias. São meus mentores. Meu professor Xavier. Eles me ensinaram a usar minha loucura, ou habilidade. Eu via mistérios em tudo, e tentava decifrar tudo. Resolvia todas as questões de matemática antes de o professor passar pro resto da turma. Cruzadinha? Sudoku? Era o primeiro. Nas provas eu nunca estudei. Sempre descobria as respostas só de ler as questões e observar o meu redor, e recorrer à minha memória que é como um gravador. Eu só ouvia os professores falando. Nunca anotei nada. Eu até decorei todas as normas de geografia. Sabia citar de cor. Uma vez eu usei as regras dele contra ele mesmo. Óbvio que eu fui suspenso por três dias, porque ninguém pode desafiar a autoridade escolar e ficar impune. Ainda que saia como herói. Foi então que eu descobri que nunca se deve entrar em confronto direto com os alvos. Eu comecei a endoidar cedo, e hoje eu vivo da minha loucura, da minha capacidade de dedução. Minha mãe sempre achou que eu não ia ganhar dinheiro, que eu não fazia nada, não tinha nenhuma especialização, só ficava vadiando com aqueles quebra-cabeças ridículos. O único quebra-cabeça que eu nunca consegui montar até hoje foi minha mãe. Não sei se é porque ela tinha a cabeça dura. Nunca vou entendê-la. Nem August Dupin pode entendê-la. É com um gosto frio de vingança que eu mando um dinheiro pra ela todo mês. Eu nunca vi o rosto dela nem o que ela fala, mas pra mim é muito fácil deduzir. Olhe pra mim agora, mamãe! Eu vivo da minha loucura, eu compro suas pílulas com a minha loucura. É essa loucura que quer me levar ao fim.



Esse larápio desgraçado está consumindo todas as minhas energias. Só penso em desvendar esse mistério dia após dia. Esse é um dos mistérios mais difíceis da minha vida: perseguir um serial killer sentimental. Nunca fiz isso antes. E sabe o que é mais assustador? É que a vítima sou eu. Eu sou um investigador precoce da minha própria morte. Sou o abutre da minha própria carniça, eu que sempre me alimentei da carniça dos outros.


Eu sei que todo serial killer tem um desejo oculto: ser descoberto! Sim, essa é a ironia de toda a história. O serial killer é, por natureza, uma espécie de artista, e todo artista só que uma coisa: chamar atenção. Ainda que isso seja permeado por outros fatores, como por exemplo: a busca da beleza, ou a transformação social. Os serial killers são capazes disso tudo, e precisam de muita "arte" para fazer o que fazem. E, é obvio, eles querem reconhecimento, e até recompensas por isso. Com um killer sentimental não havia de ser diferente. Ele quer ser reconhecido, ele quer que eu o pegue. Nós somos personagens de um "teatro do improvável" sinistro. Somos os atores de um stand up comedy demoníaco. Temos funções bem definidas: o killer quer ser perseguido, e eu quero perseguí-lo. Mas por que ele quer ser perseguido? É justamente isso que me intriga. Porque se eu descobrir isso, então terei matado a charada. O que o serial killer quer comigo? Quer me matar? Quer se vingar de mim? Quer me destruir? Pegar meu dinheiro? Sugar o meu cérebro? Tudo o que sei é que esse killer é tão doido quanto eu. Somos como o Batman e o Coringa. Batman não mata o Coringa por princípios, e este mata o Batman porque ele o diverte. E até certo ponto, será que o Coringa, na verdade, não diverte o Batman? Será que o Batman ama o Coringa? Não quero injetar nenhuma conotação homossexual aqui. Quero apenas ilustrar minha relação com este serial killer. Os serial killers tem um jeito próprio de chamar atenção para si, de serem pegos: Eles deixam rastros. Rastros que são feitos para parecer displicência, para parecerem que não devem ser seguidos, mas na verdade são cuidadosamente deixados no caminho. E o padrão. Seria tolice achar que sou a única vitima desse killer, assim como o killer não é meu único caso. Mas atualmente é minha mais forte obsessão. Eu não desisto enquanto não resolvo um mistério. Essa é minha vida, minha paixão, o único rumo da minha estrada entediante.


O serial killer em questão já deixou algumas vítimas pelo caminho: um bobo da corte, um trovador e agora um menestrel. Dá pra perceber aí uma certa predileção, mas confusa. O único que obteve a graça do serial killer, até o momento, foi o menestrel. A única coisa certa é que nenhum deles tem mais alma nem coração. Onde está o coração deles? Mergulhado num vidro de formol? Trancado numa caixa de vidro? Porque tanta fome por músculos cardíacos? Eu queria saber. E também porque o meu está na lista negra (ou na hot list?). Há uma outra vítima cuja identidade é desconhecida ainda. Quem será? O bobo? O trovador? O menestrel? O detetive? Outro? Ela está morta ou ainda vai morrer? Ou talvez seja o primeiro serial killer que deu início ao ciclo de mortes... Talvez seja um killer que tenha destruído a alma do meu atual alvo... Há ainda muitas pistas avulsas: Canções, muitas canções, que, ousadamente, o killer me envia às vezes, como um desafio. Prenda-me, se for capaz! AH! Minhas faces queimam por esse mistérios. Minhas zonas erógenas ficam túrgidas ante tal ensejo! Que relação oculta terão estas canções de ninar com todo o mistério? E, finalmente, que relação terão com aquela chave... A chave que revelará o segredo do meu futuro, do meu triunfo ou da minha morte! O que me faz pensar... o que farei quando desvendar o mistério? Por que farei quando despir a verdade ante meus olhos, e vê-la nua e pura para mim? Porque perseguir tão avidamente um mistério que pode revelar minha desgraça? Porque tentar descobrir algo que talvez eu não queira saber? Então eu acho a resposta em mim mesmo, na minha compulsão. porque minha função não é entender o que acontece, minha função é revelar o segredo, sem me importar com o que vai ser feito dele. Essa é minha sina. Essa é minha compulsão. Talvez eu seja o verdadeiro serial killer! Talvez eu seja o killer sentimental que tanto persigo, ou um killer de mistérios, tentando matar, de mistério em mistério, os segredos do meu próprio coração. E talvez eu nunca descubra, porque o maior mistério de todos é a natureza humana.










Bem, as opções são limitadas: ou eu pego o serial killer, ou o serial killer me pega, ou talvez eu me entregue ao verdadeiro mistério: a mo

Devana Babu

quarta-feira, 3 de março de 2010

VIAGEM A PARIS

- Ouvi dizer que vai a Paris.
- Exato.
- A negócio?
- Não.
- Turista?
- Não.
- Missão política reservada?
- Não.
- Tão secreta assim?
- Não.
- Se não sou indiscreto...transa de amor?
- Não.
- Está muito misterioso.
- Não.
- Como não? Saúde, talvez.
- Não.
- Compreendo que não queira alarmar...
- Não.
- Busca apenas repouso.
- Não
- Fugir do trabalho, então.
- Não.
- Capricho do momento.
- Não.
- Tantos não devem significar um sim.
- Não.
- Significam sim. Vou repetir as hipóteses.
- Não.
- Temos pela frente uma indústria nova, de vulto.
- Não.
- De qualquer maneira, é financiamento internacional.
- Não.
- Então a coisa está ficando preta.
- Não.
- Está preta, e há jogadas que só em Paris.
- Não.
- Percebe-se alguma coisa no ar.
- Não.
- Não dá para perceber, mas há.
- Não.
- Mas pode haver a qualquer momento.
- Não.
- Nem hipótese?
- Não.
- Nenhuma nuvem distante, muito distante mesmo?
- Não.
- No ano que vem?
- Não.
- Ouvi mal?
- Não.
- Sendo assim, é segredo pessoal?
- Não.
- O coração é quem dita a viagem... eu sei.
- Não.
- Sim, sim. Pode confessar.
- Não.
- Hoje em dia essas coisas são públicas. Dão até cartaz.
- Não.
- Sei que não precisa disso, mas...
- Não.
- Por que não? Está com medo da imprensa?
- Não.
- Receia perder a situação social?
- Não.
- A situação financeira?
- Não.
- Política?
- Não
- Pois olhe, melhor é preparar o ambiente.
- Não.
- Claro que sim. Insinuar mudança em sua vida.
- Não.
- Discretamente.
- Não.
- De leve, só uma pincelada. Deixe comigo.
- Não.
- Não abro manchete nem boto aquela foto em duas colunas, aquela bacana, lembra?
- Não.
- Só cinco linhas.
- Não.
- Duas.
- Não.
- Mas tenho de dizer alguma coisa.
- Não.
- O senhor é notícia.
- Não.
- Pode dizer que não, mas é sim.
- Não.
- Puxa vida, o senhor hoje está medonho. Resolveu responder não a tudo que é pergunta minha?
- Não.
- Ah, é? Então vamos recomeçar: o senhor vai a Paris?
- Vou.
- E que é que vai fazer em Paris?
- Ver.
- Ver o quê?
- O Último Tango em Paris.
- E por que é que não me disse isso logo, homem de Deus?
- Você não me perguntou, por que eu havia de responder?

Carlos Drummond de Andrade