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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Alcoólicas

É crua a vida. Alça de tripa e metal. Nela despenco: pedra mórula ferida. É crua e dura a vida. Como um naco de víbora. Como-a no livor da língua Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me No estreito-pouco Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida Tua unha plúmbea, meu casaco rosso. E perambulamos de coturno pela rua Rubras, góticas, altas de corpo e copos. A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos. E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima Olho d'água, bebida. A Vida é líquida. Também são cruas e duras as palavras e as caras Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte É um rei que nos visita e nos cobre de mirra. Sussurras: ah, a vida é líquida. E bebendo, Vida, recusamos o sólido O nodoso, a friez-armadilha De algum rosto sóbrio, certa voz Que se amplia, certo olhar que condena O nosso olhar gasoso: então, bebendo? E respondemos lassas lérias letícias O lusco das lagartixas, o lustrino Das quilhas, barcas, gaivotas, drenos E afasta-se de nós o sólido de fechado cenho. Rejubilam-se nossas coronárias. Rejubilo-me Na noite navegada, e rio, rio, e remendo Meu casaco rosso tecido de açucena. Se dedutiva e líquida, a Vida é plena. Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado Salpicado de negro, de doçuras e iras. Te amo, Líquida, descendo escorrida Pela víscera, e assim esquecendo Fomes País O riso solto A dentadura etérea Bola Miséria. Bebendo, Vida, invento casa, comida E um Mais que se agiganta, um Mais Conquistando um fulcro potente na garganta Um látego, uma chama, um canto. Amo-me. Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos Quando não sou líquida. Hilda Hilst

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Oscar Niemeyer, o imortal abduzido.

Retornando do interior da Bolívia, estava eu absorto, entretido numa página em branco do Word, os dedos apostos sobre o teclado do laptop aguardavam sintonia adequada para inundar a tela com palavras que pudessem retratar algum fato ocorrido na viagem até que, surpreendido por balbucios, ouço acidentalmente a conversa dos vizinhos das poltronas de traz... Sem resistir aquele comentário os dedos iniciaram - quase que involuntariamente - vigoroso sapateado sobre o tablado das letras. * Como assim?!?!?! Não! Não! Só pode ser brincadeira. Se Elvis que era cara comum, um sujeito como outro qualquer, há quem brade a plenos pulmões que ele não morreu! Porque aquele que talvez seja o único genuinamente imortal do globo morreria? Os deuses da literatura assim que são entronados na ABL são condecorados com o nobre e honroso título de “Imortais”. Status que todos sabemos ser meramente simbólico, fictício, mas em se tratando do nosso pra lá de centenário arquiteto, isto é um fato, é verídico. “Oscar Niemeyer morreu”. Chupa essa manga!!!! Entre numa tendinha, por exemplo. Num lugar publico qualquer onde o povão fervilhe e pergunte a qualquer um sobre a idade daquele que edificou Brasília, e não se surpreenda se uma ou algumas pessoas responderem sem titubear, com firmeza e imprecisão. “110 ou 112 anos”. É provável que as especulações ganhem números ascendentes. “que nada, ele já passou disso! deve estar com quase 120, se não for mais!”. “que 120! ele deve estar beirando os 145”. A verdade é que ninguém confirmaria essa idade, mas também tenho certeza que ninguém duvidaria. Nós brasileiros, num contexto geral nos habituamos, nos adaptamos a ininterrupta e longeva marcha existencial que o arquiteto imprimiu no subconsciente da nação, das pessoas que em algum momento do cotidiano perguntam despretensiosa e corriqueiramente sobre Oscar Niemeyer, como ele está, qual sua atual idade... Perguntas comuns e corriqueiras que pululam nos mais remotos cantos do nosso Brasilzão, como quem pergunta pelo placar de uma partida de futebol. Todos, mesmo sabendo que a imortalidade é fruto da ficção, mesmo cientes dessa impossibilidade, lá no fundo acreditamos na imortalidade de Niemeyer. Essa possibilidade foi construída sem questionamentos, sem o peso desconcertante que as coisas extraordinárias causam. Esse fato foi penetrando e se fixando na cultura nacional de tal forma que ninguém parou para analisa o tamanho dessa aberração, simplesmente aceitaram essa condição de vida eterna. Ansiamos sem perceber por informações. Sejam numa nota de jornal, num noticiário televisivo, na internet ou até mesmo através de um amigo de trabalho, de um parente ou vizinho; algo ou alguém que nos sacie a sede de informação, que nos diga algo sobre o nosso imorredouro projetista. Quando os comentários não circulam, quando a estiagem de informações é longa, uma angustia, um inexplicável vazio nos acomete e esse peso estranho só desaparece quando as notícias informam que o último representante do clã dos “Macleod” soprou mais uma chama. Morre fulano, empacota sicrano, bate as botas beltrano... Mas o Oscar tá lá, firme. Ignorando ou ignorado pela morte, rompendo anos, apagando velinhas. Nessa marcha, de ano em ano, de década em década ele atravessou as fases, varou a 3ª idade, desdenhou da velhice, tornou-se ancião e sem ser detido conquistou a imortalidade. É verdade que ele tem andado um tanto quanto debilitado. As estadias nos hospitais tem se tornado frequente, mas e daí? Quem nunca se hospitalizou? Quem nunca passou por sucessivos exames? Momentos ruins são comuns em qualquer idade, mas daí morrer é muito diferente, é inconcebível. É sem dúvidas uma das maiores brincadeiras que a nação brasileira já sofreu. “Oscar Niemeyer morreu!”. Chupa essa manga!!!! * Pequena pausa para refletir e analisar o texto. O voo já se aproximava do seu destino, o aeroporto do Rio já inundava as vistas, do outro lado era possível vislumbrar a nave Niteroiense. O MAC era imponente e tornava as terras de Araribóia diferente, privilegiada. É isso!... * Os dedos prosseguiam em seu balé literário. Abduzido talvez! Convocado para projetar naves espaciais modernas, mais sofisticadas para os “manos” de outros orbes ou quem sabe tenha ido buscar inspirações em outros planetas para no futuro nos presentear com construções mais brilhantes, mais extraordinárias, mais curvilíneas. * No desembarque, guardei meus pertences com proposital lentidão, afim de que pudesse percorrer com os olhos a estirpe dos sujeitos que proclamaram aquela aberração. Eram dois Bolivianos de meia idade, cabelos grisalhos, trajados com ternos escuros, bem alinhados. Aparentavam ser empresários. Por de traz, acompanhando seus passos eu sacudia a cabeça em negação e resmungava mentalmente comigo mesmo “ Como podem falar uma bobagem dessas?” Assim que pus os pés do lado de fora do avião, um objeto grande que pairava no ar atraiu minha atenção, fez com que minha face se volvesse para o alto em sua direção. Olhei ao derredor e as pessoas seguiam tranquilas, em profunda alienação ao objeto que me petrificara. No interior do flutuante, através de uma espécie de vitral, similar a uma escotilha, um homem idoso acenava com a mão trêmula em minha direção. Atordoado e pasmo, com o coração a tamborilar cheguei a pensar em alucinação, pois somente eu enxergava aquilo. O idoso abriu a “escotilha”, deixou cair algo no solo. A nave partiu célere num movimento vertical e desapareceu nas nuvens como num acender ou apagar de lâmpada. Obvio que fui verificar de que se tratava. Depois de alguns passos, agachei e recolhi do chão os dois instrumentos, caminhei para o saguão do aeroporto, sentei-me, religuei o laptop para finalizar o texto enquanto avaliava o compasso e o escalímetro que acabara de pegar. Enquanto a máquina iniciava fui cumprimentado por um antigo vizinho que passou acompanhando uma bela e madura mulher. Abraçou-me efusivo e indagou “Está chegando ou partindo Dr Ernesto?” retribuí o carinho e informei que esta chegando. Ambos partiram embalados por uma conversa agradável e finalmente pude concluir o texto. * Está efetivamente comprovado “Oscar Niemeyer não morreu e ponto final” * - Quem é o sujeito? A mulher perguntou ao meu vizinho sobre mim. - Dr. Ernesto. Duvidoso médico psiquiatra. Respondeu de pronto enquanto prosseguiam, e acrescentou. “Dizem que ele é metido nesse negócio de ufologia”. Marco Antonio Rodrigues