Sejam Bem Vindos - Leiam e comentem os contos - Sua opnião é muito importante.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Bom tempo, sem tempo

Não chovia, meses a fio. Ou chovia demais. As plantas secavam, os animais morriam, os moradores emigravam. As plantas submergiam, os animais morriam, as pessoas não tinham tempo de emigrar. Assim era a vida naquele lugar privilegiado, onde medrava tudo para todos, havendo bom tempo. Mas não havia bom tempo. Havia o exagero dos elementos. O mágico chegou para reorganizar a vida, e mandou que as chuvas cessassem. Cessaram. Ordenou que a seca findasse. Findou. Sobreveio um tempo temperado, ameno, bom para tudo, e os moradores estranharam. Assim também não é possível, diziam. Podemos fazer tantas coisas boas ao mesmo tempo que não há tempo para fazê-las. Antes, quando estiava ou chovia um pouco - isto é, no intervalo das grandes enchentes ou das grandes secas -, a gente aproveitava para fazer alguma coisa. Se o sol abrasava, podíamos fugir. Se a água vinha em catadupa, os que escapavam tinham o que contar. Quem voltasse do êxodo vinha de alma nova. Quem sobrevivesse à enchente era proclamado herói. Mas agora, tudo normal, como aproveitar tantas condições estupendas, se não temos capacidade para isto? Queriam linchar o mágico, mas ele fugiu a toda. Carlos Drumond de Andrade

domingo, 8 de julho de 2012

Uma segunda chance

Depois do acidente os olhos de minha mãe nunca mais sorriram, perderam o brilho, ela virou uma mulher triste, só não se matou porque tinha outro filho para criar. Meu pai nunca falou sobre o acontecimento, guardou tudo dentro dele. Talvez tivesse sido este o motivo do AVC que o matou. Quanto a mim, cresci numa redoma de vidro, onde nada podia me machucar. Os livros foram meus melhores amigos. Num bairro próximo de minha casa tinha um sebo onde eu comprei os livros mais importantes da minha vida, aqueles que ajudaram a moldar minha personalidade, li os livros de Julio Verne, coleção Vaga-Lume, Robert Louis Stevenson, Pedro Bandeira, Marcos Rey, Raquel de Queiroz, entre outros. O dono do sebo era um cara muito esquisito, parecia ter saído de algum livro. Ali havia uma coisa que sempre me intrigou, uma maquina de escrever antiga, que ficava dentro de uma redoma de vidro com fechadura. Com o passar dos anos fizemos amizade e nosso assunto eram livros, escritores e historias. Sempre perguntava a ele o porque de tanto cuidado com aquela maquina de escrever. Ele dizia que a maquina era magica, o que fosse escrito nela, poderia se transformar em realidade. O tempo foi passando, a dor de minha mãe não foi diminuindo, estudei, me formei, consegui um emprego, casei, tive filhos e enterrei minha mãe. Um dia estava em casa e recebo uma encomenda, aquela mesma maquina da minha infância. Estava exatamente como eu me lembrava, dentro de uma redoma de vidro. Junto com a chave veio uma carta. “Você é a única pessoa que vai saber usa-la como deve ser”. Curioso como sempre, quis saber porque o dono do sebo mandou a maquina para mim. No dia seguinte fui no sebo, ao chegar lá, aquela loja onde passei momentos maravilhosos junto com os livros e conversando com o dono, simplesmente não estava mais lá. Entrei na loja, que agora vendia peças automobilísticas e perguntei para um funcionário o que tinha acontecido com o sebo. Ele me explicou que o dono da loja morreu e que os herdeiros fecharam o sebo e venderam a loja. Saí de lá triste, era muito difícil saber que um local que marcou sua infância, simplesmente não mais existe. Durante alguns dias fiquei depressivo, pensando na pequenez da vida. Coloquei a maquina no meu escritório, bem de frente para mim, ela ficava me olhando, como que pedindo para escrever alguma coisa. Depois de quase um ano olhando para a maquina decidi escrever. Acordei decidido a escrever sobre o dia em que meu irmão foi atropelado e morreu. Nós dois saímos de casa, eu tinha dez anos e ele sete. Cada um com sua lata de linha e pipa. A gente gostava de brincar no campinho que ficava perto de casa, no dia anterior havia chovido muito, a lama tomou conta do lugar, resolvemos brincar na rua. Era uma rua tranquila, passavam poucos carros. Mandei um irmão levar a pipa para que eu pudesse puxa-la. Ele ficou segurando a pipa de baixo do fio, mandei ele chegar mais para o meio da rua.. Nesse momento parei de escrever, quando ele foi para o meio da rua, veio um carro, dirigido por um bêbado e passou por cima dele, foi morte instantânea. Só a lembrança me fez tremer, não iria escrever o que aconteceu. Iria escrever o que deveria ter acontecido. ...Mandei meu irmão ir para o outro lado da rua, um carro entrou na rua a toda velocidade e por pouco não atropelou meu irmão, passou pelo local onde ele estivera segundos atrás e se chocou no poste. Voltamos para casa. Os olhos de minha mão não ficaram tristes, meu pai não morreu. Tivemos uma segunda chance. Julio Pecly