Sejam Bem Vindos - Leiam e comentem os contos - Sua opnião é muito importante.

domingo, 25 de julho de 2010

O Contenção

Gíria da favela
Contenção – olheiro

Cesinha tomou banho e as seis horas da tarde estava na sua base, a base três. A base três era a pior base para ficar observando se a policia entrava ou não na favela. Era ruim porque no local não tinha apenas uma rua, era uma encruzilhada onde tinha de se preocupar com os carros que vinham das quatro direções,o camburão ou a radio patrulha e ainda os carros civis que os policiais as vezes entravam na favela, na maior parte das vezes em missões não oficiais. Podiam vir de qualquer uma delas, da esquerda, da direita, pela frente, por trás, por isso era bom estar sempre alerta. To vendo alguma coisa lá longe! Caralho! Que carro é aquele? Acho que não é a policia não! Quando o carro se aproximou, Cesinha pode notar que era um gol branco de algum morador. Não teria que estourar o foguete de doze tiros. Durante uns dez minutos, não passou nenhum carro e ele pode respirar sossegado. Seu sossego durou pouco, dessa vez era um carro da policia, um camburão, assim que teve certeza se tratar de um carro da policia, tirou o isqueiro do bolso, saiu correndo e estalou o foguete. Da sua base foi correndo para um bar que ficava numa rua atrás da base três, ali Cesinha se misturava com os freqüentadores e podia ficar observando o momento em que os policiais fossem embora, para voltar a sua base, a base três. A incursão da policia durou pouco, eles estavam somente passando, sem nenhuma missão, foram na direção da boca, porem como os policiais não viram ninguem na pista e nem nada que chamasse a atenção deles, continuaram sua ronda e foram para outra parte da favela. Quinze minutos depois pegou outro foguete no quintal de uma casa abandonada e voltou para a base.
Ao longe pode ver Natalia vindo na direção dele. Natalia era a alegria dos fogueteiros, já tinha saído com quase todos que a boca tinha, cerca de quinze moleques. Ela parou ao lado dele sorrindo.
- oi Cesinha, tudo bem.
- to legal e você?
- tudo bem comigo.
- depois que eu sair daqui, vamos lá em casa?
Natalia olhou para Cesinha e riu. Natalia era uma menina bonita, tinha uns quinze pra dezeseis anos, era loirinha, tinha olhos negros bem envolventes. Poderia namorar um rapaz trabalhador, que não fosse envolvido com o trafico de drogas. Porem ela tinha mesmo era tesão por bandido, gostava de ficar conversando com os contenções e ficar fumando maconha com eles nas esquinas, geralmente sempre ia para algum lugar dar para eles depois do expediente. Já tinha transado no mato, no quintal da casa dos outros, no banheiro de boteco, tudo isso nas madrugadas, onde todos os gatos são pardos.
- vou sim, leva um pra gente torrar lá.
- pode deixar vou levar um do boldinho.
- que horas você vai sair daqui hoje.
- vou sair daqui lá pras três horas.
- três e meia eu vou lá na sua casa, vou ficar um pouco no baile com as garotas e depois eu vou pra lá.
- vou te aguardar hein.
Natalia foi embora e Cesinha voltou para o seu trabalho, começou a pensar nas coisas que ele e Natalia iriam fazer mais tarde, sabia que ela era muito boa de cama, já tinha transado antes e todas as vezes ela deixava nele, aquele gostinho de quero mais. Careta ela fodia muito bem, agora chapada de maconha ele a era um verdadeiro demônio na cama, fazia tudo e um pouco mais. Distraído pensando nela, cometeu um erro muito grave para um fogueteiro, confundiu um carro comum com um carro da policia e estalou o foguete. Quando o carro passou próximo dele, viu que tinha feito uma merda. Todos os bandidos se esconderiam ao ouvirem os fogos e depois ao saberem que foi um alarme falso, iam cobrar de quem deu o alarme. Não se passou dez minutos depois do alarme falso e um outro moleque da boca foi falar com ele.
- Aí tão te chamando lá na laje, querem desenrolar contigo a merda que você fez. Eu vou ficar aqui no seu lugar.
A laje onde os bandidos ficavam na noite fazendo a vigilância da favela, não era muito longe dali da base três, onde ele estava. Cesinha entrou no quintal da casa, subiu no muro e foi para a laje. Chegando lá em cima um dos traficantes foi logo lhe dando com o cabo do fuzil na barriga.
- qual foi a tua compadre. Você é maluco? Estourou os fogos sem ver a policia?
- Poxa, foi mal. Eu confundi uma blazer com a blazer da policia.
- foi mal é o caralho. Tu acha que eu gosto de correr atoa da policia. Se liga na tua responsa. Aí da um corretivo nesse filho da puta.
Cesinha fechou os olhos, sabia que ia apanhar. Tomou uma banda e quando caiu, levou chute pelo corpo todo, só teve tempo de proteger o rosto. Apanhou bem doído. Desceu da laje todo dolorido e com alguns hematomas, mas nada que o impedisse de continuar seu trabalho, ainda bem que não cortaram meu pagamento. Pensou e sorriu. Apesar das dores que sentia. Ainda transaria com Natalia. Voltou para sua base, o moleque que ficou no lugar dele, entregou o foguete e o isqueiro, antes de ir embora olhou para Cesinha.
- ainda bem que não te bateram muito. Uma vez tomei uma coça, que cheguei a mijar sangue.
- mas foi a primeira vez que eu errei, eles não tinham que reclamar, mas semana que vem vou sair dessa, vou começar a traficar maluco, essa de ser contenção não ta dando mais não, o bagulho é ser vapor.
Sozinho de novo na minha base. Tomara que a policia não venha de novo. Caralho, minha costela esta doendo um pouco, quando eu chegar em casa, vou pedir pra minha mãe colocar aqui um pouquinho de saião amassado com sal grosso e com certeza amanha vai estar legal. Não vou deixar a Natalia escapar de mim hoje. Hoje ela vai ser toda minha.
Um camburão da PM entrou a toda na favela, antes mesmo que cesinha pudesse estourar os fogos, os policiais largaram o dedo em cima dele, que saiu correndo e cerca de trinta metros depois da base três, conseguiu estalar os fogos, pular um muro e se esconder no quintal de uma casa. Pode escutar o barulho dos pneus do carro da policia e uns trinta segundos depois alguns tiros. Cesinha ficou escondido na casa cerca de meia hora e depois como não ouviu mais nada, saiu do esconderijo. Na rua encontrou um amigo com quem costumava fumar maconha nas horas de folga.
- ta tranqüilo? – perguntou cesinha.
- agora ta tranqüilo sim. Os caras ouviram os tiros e depois os fogos. Foi em cima de tu que os home deram?
- foi sim maluco, eu corri e estalei né.
- aí os home chegaram na boca neguinho e largaram o aço nos viciados tudo. Foi viciado pra tudo quanto é lado, os home desceram e deram tapa na cara de um monte deles. Sinistro. Esse plantão de hoje, os policia são neurótico, tudo endemoninhado, nem arrego eles aceitam. – explicou o puxa saco de traficante.
Cesinha continuou em sua base, olhou para o relógio, iam dar dez da noite. Porra! To cheio de fome. Esperou cerca de dez minutos até que viu Hugo, um menino de dez anos de idade, que fazia favores para os bandidos e contenções e que com certeza dentro de pouco tempo estaria na boca.
- cole menor chega aí!
O moleque veio, apertou a mão de cesinha.
- fala ai braço!
- da uma moral ai pra mim, vai até ali no MC lanches e compra um x - tudo e uma vitamina de banana sem aveia, fala que é pra mim.
- tranqüilo! Posso pegar um hambúrguer pra mim, to na maior larica?
- já é!
Cesinha estava saboreando o seu podrão, quando para seu azar viu o camburão se aproximando, deu uma ultima dentada no x-podrão, saiu correndo, acendeu o isqueiro e estalou o foguete. Se escondeu novamente no bar. Para seu azar o camburão foi na direção do bar. Cesinha pegou um taco de sinuca e ficou com ele na mão. O camburão parou na frente do bar, o sargento desceu e chamou cesinha.
- chega aí moleque.
Cesinha foi até o carro da policia.
- ta fazendo o que aqui? – perguntou o policial.
- eu estava jogando sinuca.
- jogando sinuca o caralho! Você é fogueteiro isso sim!
Sem que Cesinha esperasse, o sargento deu um tapa no pé do ouvido dele. A pancada foi com tanta força que sua orelha ficou quente e seu ouvido zumbindo. O sargento voltou para o camburão e foi embora. Cesinha voltou para o bar, lavou o rosto no banheiro e voltou para a sua base.
No restante da noite não teve mais nenhuma incursão da policia, depois da troca de plantão, os traficantes pagaram o arrego.

Gíria da favela
Arrego – dinheiro pago a policia para que durante determinado plantão não haja incursões nas favelas.
Bebeto, o outro moleque que fazia o terceiro turno da base três chegou, Cesinha entregou o isqueiro e o foguete, apertou a mão dele e foi embora. Foi a ultima vez que ele viu Bebeto, na manha seguinte Bebeto foi morto pela policia. Cesinha foi na boca, pegou sua diária, quarenta reais e foi para casa esperar por Natalia.

Julio Pecly

sábado, 3 de julho de 2010

MARGARIDA

A garota em êxtase brandiu o postal que recebera do namorado em excursão na Grécia :
- Coisa mais linda! Olha só o que ele escreveu: "Eu queria desfolhar teu coração como se ele fosse a mais margarida de todas as margaridas. "Marquinhos é genial, o senhor não acha?
- Pode ser que seja, não conheço Marquinhos. Se bem que antes da era Pierre Cardin, genial era Dante, Da Vinci, Einstein, outros assim. Mas essa frase não é de Marquinhos.
- Não é de Marquinhos?! Tá com a letra dele, assinada por ele.
- Estou vendo que assinou, mas é de Darío.
- Quem? O Darío, do Atlético Mineiro? Sem essa.
- Não minha florzinha, Darío, Rubén Darío, o poeta da Nicarágua.
- Não conheço. Então Rubén Darío falou para Marquinhos e Marquinhos
- Achou bacana e pediu emprestado a ele?
- Tenho a impressão que o Marquinhos não pediu nada emprestado a Rubén Darío. Tomou sem consultar.
- Como é que o senhor sabe?
- É muito difícil consultar o Darío.
- Por quê? Ele não dá bola para gente? Não gosta da mocidade? É careta?
- Não é nada disso. O Darío não é encontrado em parte alguma.
- Ah, ele gosta de bancar o invisível, né?
- Não creio que goste, mas é exatamente o caso dele: invisível.
- Não dá para entender.
- Vai entender logo. Ele morreu em 1916.
- Ah! E como é que o Marquinhos descobriu essa margarida, me conte!
- Simples. Leu num livro de poemas de Rubén Darío.
- Marquinhos não é ligado a leitura. Duvido.
- Se não leu no livro, leu em alguma revista, em alguma parte.
- Hã...
Ficou tão triste- os olhos, a boca, a testa franzida- que achei de meu dever confortá-la:
- Que importância tem isso? A frase é de Darío, é de Marquinhos, é de toda pessoa sensível, capaz de assimilar o coração à margarida... Desculpe: à margarida.
Muxoxo:
- Se é de todos, não é de ninguém, não vale nada.
- Pelo contrário. Fica valendo mais, torna-se sentimento universal.
- Ah, o senhor está por fora. Eu queria a margarida só para mim. Copiada não tem graça. A graça era imaginar Marquinhos, muito sério, desfolhando meu coração transformado em margarida, para saber se eu gosto dele, um pouquinho, bastante, muito loucamente, nada. E a margarida sempre com uma pétala escondida por baixo da outra, entende? Para ele não ter certeza, porque essa certeza eu não dava... Era gozado.
- Continue imaginando.
- Agora não dá pé. Marquinhos roubou a margarida, quis dar uma de poeta. Não colou.
- Espere um pouco. Eu disse que a margarida era de Rubén Darío? Esta cabeça! Esquece, minha filha. Agora me lembro que Rubén Darío nem podia ouvir falar em margarita, começava a espirrar, a tossir, ficava sufocado, uma coisa horrível. Alergia- que no tempo dele ainda não estava batizada. Pois é. Garanto a você, posso jurar que a margarida não é de Darío.
- De quem é então?
- De Marquinhos, ué.
- Tem certeza que nunca ninguém antes de Marquinhos escreveu ä mais margarida de todas as margaridas"? o senhor lê milhões, pode me responder. Tem certeza?
- Absoluta. Marquinhos é genial, reconheço. Mas, por via das dúvidas, continue escondendo uma pétala de reserva, sim?
- Pode deixar por minha conta. Puxa, quase que eu parava de transar com o Marquinhos por causa do senhor. Agora tá legal, tchau, vovô!
Vovô: foi assim que ela me agradeceu a mentira generosa, a bandida.

Carlos Drumond de Andrade

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Esaú

Esaú estava no quarto diante do espelho, penteava o cabelo e acabava de se aprontar para o culto. Seu irmão Jacó com quem dividia o quarto entrou, na mão ele trazia um pão com manteiga, já reduzido à metade.
- E aí mano, ta se arrumando todo assim pra que? Pra pegar as irmãs da igreja né!
Esaú olhou para o irmão e disse bem sério:
- As mulheres da igreja não são iguais a essas mulheres do mundo não.
- no que elas são diferentes? – Jacó colocou o pão na boca e apertou o pênis. – o que uma gosta as outras também gostam.
- pelo que eu vi, você não entende nada de mulher. Vamos para o culto hoje?
- hoje não! Ainda não chegou a minha hora. Vai orando por mim, na hora certa eu vou seguir o caminho.
- Ai que mora o problema meu irmão. Agora nesse momento pode ser a tua ultima hora. Essa pode ser a ultima vez que Jesus te chama.
- que nada cara, to novo ainda, to curtindo a vida, na hora certa eu e Jesus a gente vai se entender.
- vou continuar orando por você meu irmão, do mesmo jeito que eu faço todos os dias. Deixa eu ir pro culto senão eu me atraso.
- Ora mesmo por mim Esaú.
- Eu oro, porque eu sei como esse mundo ai fora é perigoso.
Na rua Esaú cumprimentava os irmãos, não só os da sua igreja, como os de outras igrejas.
- Paz do senhor meus irmãos. – desejou ele para um grupo de cinco irmãos de uma mesma família. O pai, a mãe e os três filhos desejaram o mesmo para ele.
Quando chegou na igreja, faltavam quinze minutos para começar o culto. Ficou parado na entrada da igreja conversando com alguns irmãos. Queria saber na casa de qual irmão seria o culto de quarta a noite.
- o culto vai ser na casa do irmão Altamiro. Vai ser um culto de agradecimento, o filho dele mais novo, passou no vestibular. – respondeu o irmão Joel.
- Oh gloria, irmão! Que bênção hein! Jesus sempre operando. – Esaú ficou feliz, pois sabia do esforço do irmão Altamiro para pagar cursos para o filho.
O irmão Sávio avisou a todos que estava na hora de entrarem, pois o culto matutino dominical iria começar. Esaú sentou no seu local de costume, o quinto banco da fileira do meio. O pastor agradeceu a presença de todos e fez uma oração.
– Senhor meu deus, meu pai, criador dos céus e da terra. Que deu seu único filho para que pudéssemos ser perdoados de todos os nossos pecados. Tomai hoje a frente de nosso culto, que possamos sair daqui, sabendo que seu amor por nós é imenso. Não podendo ser medido por padrões humanos. Olhai por todos nós, perdoai nossos pecados. Ilumine nossos pensamentos e toma a frente desse culto. Isso é o que lhe pedimos, em nome de Jesus. Amem!
O pastor fez um breve resumo das atividades semanais, fez as prestações de contas referentes ao dizimo e as ofertas que foram devolvidas pelos irmãos, deu os parabéns aos aniversariantes do mês, orou novamente e pediu que todos os irmãos abrissem suas bíblias no livro do apostolo São João, no capitulo três, no versículo dezesseis. Todos leram juntos, oraram de novo. Em cima desse versículo o pastor Ebirom pautou a mensagem.
– Irmãos! Quando Jesus andou por esse mundo, acham que foi atoa? Claro que não, ele andava levando os ensinamentos dele e pra nos mostrar que devemos, andar sempre nos caminhos do senhor e pregar. Pregar para todas as criaturas. Devemos pregar em qualquer local que tivermos. Na fila do banco, no ônibus, na feira, no hospital. Nossa missão nesse mundo é levar a cura para os doentes e qual é a cura? A palavra de deus que esta aqui!
Nesse momento o pastor ergueu a bíblia e todos irmãos disseram em uníssono.
- Louvado seja a Deus! Aleluia! Aleluia!
Do lado de fora da igreja ouve-se uma seqüência de muitos tiros. O pastor da uma parada na pregação.
- Por favor irmão, fecha a porta da igreja e não se preocupem irmãos. Aqui dentro estamos debaixo da proteção de deus.
O culto continuou sem mais interrupções. Antes de terminar, o pastor fez a oração final.
– que deus nos proteja irmãos! Que cuide de nos, que nos proteja agora que vamos voltar para os
nossos lares, nos de uma boa semana. É isso que humildemente lhe peço, senhor meu deus, criador dos
céus e da terra. Em nome de Jesus. Amem!
Os irmãos abrem seus olhos e sorrindo, cumprimentaram-se. O porteiro foi até a porta, abriu e olhou para fora, vendo se havia ainda algum perigo.
- Ta tudo tranqüilo irmãos. Não esta tendo mais tiro.
Esaú conversava com a irmã Ângela, uma senhora gorda, mãe de três meninas e uma excelente cozinheira. Não era atoa que ela era bem gordinha.
- onde já se viu tiroteio em plana luz do dia.
- essa favela está uma confusão danada, irmã. Esse lugar aqui já foi muito bom. Mas eu sinto irmã, que Jesus tem uma obra pra esse local.
- Aleluia irmão! O sangue de Jesus tem poder! – enquanto falava, erguendo as mãos para o alto, seus seios fartos balançavam. – meu irmão, aparece lá em casa hoje a noite, minha prima da igreja de Madureira vai estar lá. O irmão é solteiro, ela também é solteira. Quem sabe não é ela que deus reservou pro irmão.
– irmã, eu até vou na sua casa, mas pra fazer uma visita a senhora. Não precisa a senhora ficar me apresentado seus parentes, a pessoa certa pra mim, vai chegar na hora certa. Nós temos que viver no nosso tempo e deus tem o tempo dele. Eu vou sim! Pode me aguardar, hoje eu não trabalho e a irmã sabe que eu me amarro nos seus doces. Eles são maravilhosos. Deixa eu ir, tenho que fazer uma prateleira pra minha mãe. Paz do senhor.
– paz do senhor meu irmão.
Esaú sai da igreja, a favela estava uma bagunça. Era sempre assim depois de um tiroteio. Ao falar com as pessoas, ele sentiu uma diferença no olhar delas, parecia que tinha acontecido alguma coisa. E tinha. Um pouco mais a frente de onde ele estava, havia uma aglomeração de pessoas em volta de um corpo coberto com um lençol branco. Sua tia chorava e ao vê-lo, veio em correndo em sua direção. Na mente de Esaú, ele adivinhou o que houve. A bíblia caiu da mão dele. Esaú começou a chorar. A tia tentou abraça-lo, ele se desvencilhou dela.
- Não vai me dizer que é o Jacó tia?
O silencio da tia foi a confirmação do que ele mais temia. Mataram seu irmão mais novo. Esaú se aproximou do corpo do irmão e ficou olhando.
- O trato não era esse! O trato não era esse! – gritou entre as lagrimas que desciam de seus olhos.
Esaú se abaixa e descobre o corpo do irmão. Três tiros no peito, acabaram com a vida de mais um viciado, que algum tempo atrás já tinha sido um bom filho. Durante alguns segundos, Esaú ficou abaixado, quieto, apenas olhando para o corpo sem vida do irmão. Esaú ficou de pé, e começou a andar em volta do corpo do irmão. Ele falava como se tivesse brigando com o irmão, por ele ter feito algo muito errado.
– não cara porque você não me escutou. Eu te falei que isso ia acontecer, eu te falei. E agora? E a mãe? E tua filha? E eu mano, vou chamar quem de irmão? Eu não tenho mais irmão. E a mãe e a mãe?
A mãe de Esaú, uma senhora com mais de sessenta anos, vem correndo o maximo que pode, sendo amparada por duas moças. Ela para ao lado do corpo do filho morto e apenas o observa. Não diz nada durante cerca de um minuto. Depois ela olha para Esaú e da uma ordem. Sua voz sai áspera, doída.
- vamos levar ele pra casa, filho meu não vai servir de espetáculo pra ninguém ficar olhando.
Ezaul pega o corpo do irmão e o carrega pelas ruas, sendo seguido por algumas pessoas. Esaú deposita o corpo do irmão em cima da cama da mãe e incontinente abre o armário.
- ta procurando o que meu filho?
- vou matar o Valquir mãe. A gente tinha um trato, eu estava pagando aos poucos a divida que o Jacó tinha com ele e ele furou o trato.
– Eu não quero perder dois filhos no mesmo dia.
- a senhora não vai não minha mãe.
– então não vai atrás desse cara.
– tenho que ir mãe.
– E a sua igreja.
– mãe, isso é entre eu e o Valquir. Jesus não tem nada a ver com isso.
– Não vai!
Ezaul verifica a pistola, tira o pente, coloca de novo, destrava e coloca na cintura. Sentada a mãe vê seu filho sair, nesse momento ela começa a chorar.
Na rua, Esaú não vê nada, vai caminhando decidido a procura de Valquir. Ao passar pela porta de um bar, não consegue ouvir um comentário as suas.
- coitada da mãe dele, já perdeu um filho e vai perder o outro.
Conforme vai caminhando pelas ruas da favela, todos os fofoqueiros e fofoqueiras, vão falando.
- o Valquir vai matar ele.
- vai nada maluco! Quando o Esaú era da boca, ele era o cara mais sinistro.
- ele era crente falso, uma vez traficante, sempre traficante.
- nem todo aquele que diz senhor, senhor, será salvo.
Numa esquina três caras fumam maconha, Valquir e mais dois.
– passei mesmo! Era maior vacilão, tava devendo a firma mesmo. Esse filha da puta ia morrer mesmo. Tava viciadão em craque. – Valquir falava sem nenhum ressentimento.
– tu viu o cara estrebuchou e ficou la de bigode. – disse Guga, um vapor.

GÍRIA DA FAVELA
FICOU DE BIGODE – MORTO, ESTIRADO NO CHÃO

– a vida do crime é assim, cadeia ou cemitério.
Ao dobrar a esquina, Esaú avistou Valquir e os outros dois bandidos.
De pistola em punho, surpreendeu os três.
- quero só o Valquir.
Os dois covardes saíram correndo, deixando os dois inimigos sozinhos. Os moradores que estavam por perto ao ver os dois frente a frente se esconderam, tinham medo de uma bala perdida sobrar pra eles. Se esconderam, mais de modo que pudessem assistir a tudo que estava por acontecer.
– Agora é entre nos dois. Qual era o nosso trato?
– o trato morreu irmão. Teu irmão já devia o dobro do que ele tava devendo e você não pagou nem a metade. Neguinho já tava me cobrando. Era eu, ou teu irmão, tinha que ser feito cara.
– sabe que eu vim aqui pra te matar!
– irmão! Se tu é sujeito homem, eu também sou. Ta ligado! Nem entrei nessa de bobeira não. Só que eu também vou tentar a sorte. Se é de chorar a minha mãe, que chore a tua.
Ezaul levanta a pistola e atira na direção de Valquir que se joga no chão. Ouve-se um choro de criança. Esaú olha na direção e vê uma menina caída no chão chorando. Valquir se levanta aponta a arma na direção de Esaú, só que a arma trava e o barulho chama a atenção de Esaú, que levanta e atira na direção de Valquir. Valquir corre em ziguezague e nenhum tiro pega nele. Quando Esaú retoma a razão, ele vê uma menina de uns nove anos de idade caída com uma mancha vermelha no peito. Esaú se aproxima da garota, ela não se mexe. Esaú a pega no colo e tenta correr para leva-la ao hospital e não consegue, seu corpo simplesmente não sai do lugar.
- Não! Você não vai morrer! - Gritava Esaú.
- Cala a boca caralho! Vai dormir porra! Eu quero dormir caralho!
Eram os últimos meses de Esaú na cadeia. Finalmente ele ia concluir o que não conseguira seis anos atrás. O mesmo sonho todas as noites, ele tentava levar a menina que sem querer havia baleado e não conseguia. Ele não conseguia, durante os seis anos em que permaneceu na cadeia, tinha esse sonho quase todos os dias.
Estava sentado no pátio tomando um banho de sol e pensando. Só mais três meses que vou ficar aqui nesse inferno. Do bolso tirou uma carta antiga que sua tia tinha escrito e começou a reler. “... ela não agüentou, perdeu um filho num dia e no outro, prenderam o outro filho. Ela sempre dizia que não ia resistir muito tempo. Mas triste ainda ela ficou quando você mandou avisar que não era pra ela te visitar na cadeia. Ela jantou, viu a novela e foi dormir. De manha quando eu fui acordar ela, ela não despertou, teve um ataque cardíaco enquanto dormia e morreu como um anjo. O medico que fez a autopsia, disse que ela morreu sem nenhum sofrimento. Agora ela esta do lado do filho e olhando por nos lá de cima. Sua mãe era uma pessoa muito boa Esaú, ela esta num bom lugar. Se cuida meu filho, toma cuidado com as pessoas ruins que estão aí dentro. Um abraço dessa sua tia que te ama muito. Beijos da sua tia Telma.” Depois Esaú tirou outra carta do bolso e releu, “ ... poxa primo, não queria nunca estar te escrevendo uma carta dessas, infelizmente estou te escrevendo pra dizer que a tia telma faleceu. Ela saiu de casa pra pagar uma conta no centro da cidade e acabou sendo atropelada por um ônibus no cruzamento da presidente Vargas com a Rio Branco. Estou te escrevendo porque sei que ela gostava muito de você. E achei que você devia saber. Um abraço cara, do seu primo Luiz Otavio.” Caramba, em seis anos de cadeia perdi as pessoas mais importantes da minha vida, minha mãe e minha tia. Então só e resta fazer uma única coisa na favela, matar o Valquir. Depois vou para algum lugar ver se continuo o resto da minha vida. Pensava Esaú.
Esaú saiu da cadeia por bom comportamento, quando as portas se abriram e ele pode ver a rua. E do outro lado da rua, o outro filho de sua tia telma o esperava num chevete cara de cachorro 77, muito bem conservado.
- trouxe o que eu te pedi?
Luiz Felipe olhou para o primo, parecia muito mais velho que os trinta anos que tinha. A cadeia mudou muito o rosto de Esaú.
- Trouxe, ta aqui comigo.
Luiz Felipe tirou uma pistola do porta luva, quatro pentes e entregou para Esaú. Ele pegou a quarenta e cinco na mão, destravou, olhou, colocou um pente e os outros três pentes ele colocou no bolso de trás das calças.
A viagem demorou cerca de quarenta minutos, terminou quando chegaram na entrada da favela.
- tu me deixa aqui. Daqui em diante eu sigo a pé.
Na favela não se falava de outra coisa. Na casa de endola, enquanto embalavam as drogas, os traficantes fofocavam.
- tão falando que o Esaú sai hoje da cadeia, será que é verdade?
- eu já ouvi dizer que ele até já saiu, ta só estudando a favela, pra ver a melhor hora de atacar.
- sou mais o Valquir neguinho, o cara ta na rua, já o outro ta na cadeia, deve ta gordo e nem conseguindo correr.
- Sei não, quando ele tava formado ele era sinistro.
Nas ruas da favela, os moradores também estavam preocupados, com medo e fofocando.
- vou pegar meus filhos na escola e vou ficar dentro de casa.
- tomara que o Esaú mate mesmo o Valquir. Ele é safado.
- Esaú vai é se foder!
Como todos estavam sabendo, sempre tinha os fofoqueiros que iam bater tudo o que acontecia na boca. Um desses fofoqueiros era o fuinha, que ficava na favela, vasculhando tudo, ouvindo nos cantos, para dar a noticia aos chefes do trafico e em troca, ganhar droga.
- Cole valquir, tão a maior fofoca na favela, tão dizendo que o Esaú vai sair da cadeia hoje só pra te catar.
- Meu “cumpadi”, ele que venha, se ele ta quente eu to fervendo. Quero terminar essa porra toda, já faz mais de seis anos que estou esperando esse momento.
Esaú saiu do carro a cerca de duzentos metros da entrada da favela. Quando chegou na favela, respirou fundo e sentiu aquele cheiro de maconha e perfume barato, que ele sempre gostou. Já fui muito feliz aqui. Pensou. Mal entrou na favela, a irmã Ângela o parou.
– meu irmão!
Ezaul olhou pra trás e não teve nenhuma reação ao vê-la.
– não faz o que você veio fazer nessa comunidade.
– irmã, nada vai me fazer mudar de idéia.
– você é um homem de deus.
– não minha irmã. Já fui um homem de deus. Hoje eu sou um enviado do demônio, vim cobrar uma divida. Eu já estou no inferno irmã e vim aqui buscar o Valquir, lá é o lugar dele.
– me dói muito ouvir isto irmão. Mais ainda há tempo de você se arrepender e pedir perdão a Jesus.
– irmã eu perdi muitas pessoas que eu amava. Hoje eu vivo por viver, como por comer, respiro por respirar. Eu to morto em vida. E irmã, vá pra casa, não quero que ninguém que eu goste se machuque, mas vou fazer o que vim aqui pra fazer.
– Jesus te ama meu irmão.
– nos brigamos irmã.
Ezaul segue seu caminho favela a dentro.
Galo entrou correndo na casa onde Valquir estava escondido.
- Cole Valquir! O Esaú esta na favela.
- porra maluco! Manda ele vir e tentar a sorte.
- Aí Valquir se você quiser a gente monta um bonde, caça ele pela favela e mata ele.
- Não galo, ele é meu, se alguém vai matar esse desgraçado vai ser eu.
Conforme vai caminhando favela a dentro e as pessoas vão vendo ele passar, Esaú pode ouvir os comentários, alguns a favor dele, outros contras. Porem nada disso interessava a ele, na sua mente só tinha um pensamento. Matar o Valquir. Esaú pula um muro e entra numa casa muito mal conservada, com o quintal muito sujo, as paredes mais ainda, sem nenhuma dificuldade ele abre uma porta e entra dentro da casa, quem ele procura, Teleco, está deitado numa cama imunda. Ao se dar conta da presença de Esaú, ele tenta fugir.
– da mais um passo que tu vai pro inferno.
Teleco para.
– o que você esta fazendo aqui na minha casa Esaú?
– quero informações e foi isso que você sempre trocou pra ganhar maconha e cocaína, e pelo visto desde o meus tempos de boca que você faz isso e continua fazendo.
– o que você quer de mim?
- onde se esconde o valquir.
– poxa seu eu soubesse disso eu te dizia.
– mais você sabe?
– sei não cara! Eu sou só um viciado
– eu vou te matar cara.
– não me mata não, eu era amigo do teu irmão.
– amigo o caralho! Meu irmão foi morto e vocês só andavam juntos, parte da divida de droga dele, era sua.
– se eu te falar eles vão me matar depois.
– melhor depois do que agora.
– eu vou te dizer, já to morto mesmo. Mata o Valquir mesmo, esse desgraçado não merece viver mesmo, teu irmão era meu braço. Ele não merecia morrer daquele jeito.
teleco começa a chorar.
- A gente era amigo sabia, eu fugi naquele dia que mataram seu irmão, fui pra casa de uma tia em Minas, só voltei a dois anos atrás, minha mãe pagou minha divida com esse maluco. Ele é safado. Vou te dizer onde ele se esconde. Mais aí mata esse filha da puta mesmo.
– se você me der a boa, não vai ter erro.
– então já é.
Esaú continua sua caminhada favela adentro. Nesse momento já não estão nas ruas muitas pessoas, pois elas sabem que uma troca de tiros entre Esaú e Valquir, vai acontecer em algum momento. Dois meninos jogam bola de gude, um deles da um teco e erra, a bola vai longe, na direção de Esaú, os meninos ao verem Esaú, param, o dono da bola, pega a bolinha perto de Esaú e os dois vão correndo para suas casas. Ele entra num boteco.
– fala aí seu Bené.
Seu Bené esta de costas, ajeitando umas garrafas. Ao se virar e ver Esaú ele se assusta.
– disseram que você ia vir aqui na favela, matar o cara que matou seu irmão. Você veio né.
– vim sim seu Bené.
Seu Bené olha para um lado, olha para o outro. E fala baixinho com Esaú.
– mata mesmo, os moradores detestam esse cara desde do dia que ele matou seu irmão na covardia. Mata ele e vira o dono dessa favela.
– já sai dessa seu Bené. Vou só matar esse desgraçado e vou seguir meu caminho.
– então meu filho, livra a gente dessa desgraça que é esse cara.
– pode deixar seu Bené. - Esaú olha para a rua. E vira-se de novo para o balcão.
Seu Bené pega um copo e uma garrafa e capricha na dose. Esaú pega o copo e bebe de uma talagada só e bota o copo vazio no balcão. Ele tira um dinheiro do bolso.
– não meu filho, essa é por conta da casa.
Esaú aperta a mão do dono do bar.
– então deixa eu ir nessa.
Esaú sai do bar. Escurece na favela. Esaú caminha mais um pouco pela favela, para debaixo de uma arvore, uma amendoeira. Ele sobe na arvore e de lá de cima vê as pessoas passando.
Na casa onde Valquir esta escondido, ele conversa com um outro bandido e tem mais outro capanga tomando conta da entrada da casa.
- chegou a hora, a noite chegou e ta na hora de bandido sair de debaixo do edredom, que o bicho vai pegar. Vou matar esse cara e ter minha moral de volta. Vocês dois vem comigo.
Os três saem da casa e vão caminhando pelas ruas da favela. Depois de cerca de meia hora de caminhada pela favela, perguntando as pessoas se elas viram Esaú e recebendo sempre um não como resposta. Deixou Valquir enfurecido.
– essa favela ta contra mim, porra eu matei aquele viciado do caralho do irmão dele, porque o cara me devia muito, a gente que é bandido tem que dar o exemplo.
– vamos chamar mais pessoas pra elas nos ajudarem a achar esse filha da puta. – Dedão tentava ajudar o patrão.
– mais gente! Vocês tão maluco, quer que eu chame os bandidos todos pra tentar achar um bundão que saiu da cadeia e disse que ia vir aqui me matar. Não! Nos mesmos vamos achar ele.
Do alto da arvore, Esaú se espreguiça a ver os três se aproximando dele. De onde esta consegue ouvir Valquir falando.
– galinha de casa não se corre atrás, vou pra minha casa e vamos ficar esperando ele, quando ele vier a gente larga o aço.
Esaú espera os três passarem pela arvore e depois pula, já com a pistola na mão, da um tiro em Dedão e outro em Juca, Valquir fica sem reação.
- é agora Valquir! – disse Esaú sem nenhuma emoção na voz.
– vai tomar no cu! Perdi! me mata logo! – gritou Valquir.
– acredita em deus? – Perguntou Esaú.
Valquir ri.
– tu acha que deus me quer no paraíso?
– não quer mesmo não.
– ta esperando o que?
– pensei que nessa hora que eu sonhei tanto acontecer nesses anos que eu fiquei na cadeia, eu ia me sentir o cara mais feliz do mundo. Eu não to sentindo nada.
– eu matei teu irmão sim, mais se você estivesse no meu lugar, como já esteve, você teria que fazer a mesma coisa.
Esaú, aponta a pistola pra valquir atira três vezes. Valquir cai morto no chão. Esaú se vira e começa a caminhar. Tira um pente do bolso de trás das calças e joga fora. Tira o pente da pistola e joga fora também. Por ultimo ele joga a pistola e vai caminhando por uma rua que o leva para fora da favela. Um senhor vem na direção dele, quando os dois vão se cruzar, o senhor tira uma faca da cintura e enfia na barriga de Esaú. Esaú olha para o homem com os olhos arregalados.
– porque?... – Esaú queria entender porque esse homem lhe dera uma facada mortal. Não queria morrer sem saber o porque.
– minha filhinha! – respondeu secamente o homem.
Esaú começa a chorar, o senhor vai embora caminhando. Esaú cambaleia e consegue se sentar na beira da calçada, com as costas encostadas no poste, ele chora. Morre sentado, encostado num poste, com a mão na barriga.

Julio Pecly

sábado, 22 de maio de 2010

Passeio Noturno

Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas, propostas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa de cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando impostação de voz, a música quadrifônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala?, perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar. Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar? A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e a minha mulher estávamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos conta bancária conjunta.Vamos dar uma volta de carro?, convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais, minha mulher respondeu. Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o meu. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado, mas ao ver os pára-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico. Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na avenida Brasil, ali não podia ser, muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mais fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de padaria ou de quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia. Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som da borracha dos pneus batendo no meio-fio. Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio. Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos pára-lamas, os pára-choques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas. A família estava vendo televisão. Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando fixamente o vídeo. Vou dormir, boa noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia.

Rubem Fonseca

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Tu Queres Sono: Despede-te dos Ruídos

Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.

Ana Cristina Cesar

quinta-feira, 8 de abril de 2010

História passional, Hollywood, Califórnia

Preliminarmente, telegrafar-te-ei uma dúzia de rosas
Depois te levarei a comer um shop-suey
Se a tarde também for loura abriremos a capota
Teus cabelos ao vento marcarão oitenta milhas.

Dar-me-ás um beijo com batom marca indelével
E eu pegarei tua coxa rija como a madeira
Sorrirás para mim e eu porei óculos escuros
Ante o brilho de teus dois mil dentes de esmalte.

Mascaremos cada um uma caixa de goma
E iremos ao Chinese cheirando a hortelã-pimenta
A cabeça no meu ombro sonharás duas horas
Enquanto eu me divirto no teu seio de arame.

De novo no automóvel perguntarei se queres
Me dirás que tem tempo e me darás um abraço
Tua fome reclama uma salada mista
Verei teu rosto através do suco de tomate.

Te ajudarei cavalheiro com o abrigo de chinchila
Na saída constatarei tuas nylon 57
Ao andares, algo em ti range em dó sustenido
Pelo andar em que vais sei que queres dançar rumba.

Beberás vinte uísques e ficarás mais terna
Dançando sentirei tuas pernas entre as minhas
Cheirarás levemente a cachorro lavado
Possuis cem rotações de quadris por minuto.

De novo no automóvel perguntarei se queres
Me dirás que hoje não, amanhã tens filmagem
Fazes a cigarreira num clube de má fama
E há uma cena em que vendes um maço a George Raft.

Telegrafar-te-ei então uma orquídea sexuada
No escritório esperarei que tomes sal de frutas
Vem-te um súbito desejo de comida italiana
Mas queres deitar cedo, tens uma dor de cabeça!

À porta de tua casa perguntarei se queres
Me dirás que hoje não, vais ficar dodói mais tarde
De longe acenarás um adeus sutilíssimo
Ao constatares que estou com a bateria gasta.

Dia seguinte esperarei com o rádio do carro aberto
Te chamando mentalmente de galinha e outros nomes
Virás então dizer que tens comida em casa
De avental abrirei latas e enxugarei pratos.

Tua mãe perguntará se há muito que sou casado
Direi que há cinco anos e ela fica calada
Mas como somos moços, precisamos divertir-nos
Sairemos de automóvel para uma volta rápida.

No alto de uma colina perguntar-te-ei se queres
Me dirás que nada feito, estás com uma dor do lado
Nervosos meus cigarros se fumarão sozinhos
E acabo machucando os dedos na tua cinta.

Dia seguinte vens com um suéter elástico
Sapatos mocassim e meia curta vermelha
Te levo pra dançar um ligeiro jitterbug
Teus vinte deixam os meus trinta e pouco cansados.

Na saída te vem um desejo de boliche
Jogas na perfeição, flertando o moço ao lado
Dás o telefone a ele e perguntas se me importo
Finjo que não me importo e dou saída no carro.

Estás louca para tomar uma coca gelada
Debruças-te sobre mim e me mordes o pescoço
Passo de leve a mão no teu joelho ossudo
Perdido de repente numa grande piedade.

Depois pergunto se queres ir ao meu apartamento
Me matas a pergunta com um beijo apaixonado
Dou um soco na perna e aperto o acelerador
Finges-te de assustada e falas que dirijo bem.

Que é daquele perfume que eu te tinha prometido?
Compro o Chanel 5 e acrescento um bilhete gentil
"Hoje vou lhe pagar um jantar de vinte dólares
E se ela não quiser, juro que não me responsabilizo..."

Vens cheirando a lilás e com saltos, meu Deus, tão altos
Que eu fico lá embaixo e com um ar avacalhado
Dás ordens ao garçom de caviar e champanha
Depois arrotas de leve me dizendo I beg your pardon.

No carro distraído deixo a mão na tua perna
Depois vou te levando para o alto de um morro
Em cima tiro o anel, quero casar contigo
Dizes que só acedes depois do meu divórcio.

Balbucio palavras desconexas e esdrúxulas
Quero romper-te a blusa e mastigar-te a cara
Não tens medo nenhum dos meus loucos arroubos
E me destroncas o dedo com um golpe de jiu-jítsu.

Depois tiras da bolsa uma caixa de goma
E mascas furiosamente dizendo barbaridades
Que é que eu penso que és, se não tenho vergonha
De fazer tais propostas a uma moça solteira.

Balbucio uma desculpa e digo que estava pensando…
Falas que eu pense menos e me fazes um agrado
Me pedes um cigarro e riscas o fósforo com a unha
E eu fico boquiaberto diante de tanta habilidade.

Me pedes para te levar a comer uma salada
Mas de súbito me vem uma consciência estranha
Vejo-te como uma cabra pastando sobre mim
E odeio-te de ruminares assim a minha carne.

Então fico possesso, dou-te um murro na cara
Destruo-te a carótida a violentas dentadas
Ordenho-te até o sangue escorrer entre meu dedos
E te possuo assim, morta e desfigurada.

Depois arrependido choro sobre o teu corpo
E te enterro numa vala, minha pobre namorada...
Fujo mas me descobrem por um fio de cabelo
E seis meses depois morro na câmara de gás.

Vinicius de Moraes

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Uma Galinha

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio. Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado. Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre. Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se pode¬ria contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma. Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, pare¬cia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:
— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:
— Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!
— Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.

Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.

Clarice Lispector

Um Homem, Um Cão e Invasores do Espaço

Luis estava sentado no sofá, despertava de um cochilo, a televisão ainda ligada
alertava que uma nave alienígena tinha sido avistada. Ele havia ouvido bem
quando a repórter disse o nome de sua cidade? Ele olhou para arma no seu colo e
o cachorro deitado no chão e disse:
- Bem amigos, acho que finalmente teremos um pouco de ação nessas bandas.
Luis sempre acompanhava as tentativas de invasão pela TV, no início houve pânico
generalizado, a Terra havia sido pega de surpresa. Milhões pereceram. Mas ao que
parece alguma coisa tinha falhado na estratégia dos alienígenas, suas baixas
foram bem maiores do que as humanas. Aos poucos o jogo foi se invertendo, a
tecnologia extraterrestre começou a ser dominada e os alienígenas foram quase
totalmente expulsos. O problema é que muitos foram deixados para trás, e de vez
em quando atacavam pequenas cidades e povoados do interior.
Quando Átila, o grande pastor alemão, começou a se inquietar Luís destravou sua
arma e apontou para a porta. O cachorro se posicionou em posição de ataque a sua
frente, lá fora um ruído como o de folhas ao vento aumentava a cada segundo e
uma luz amarelada podia ser vista pela fresta da porta. Luis não teve duvidas,
eram eles! Os invasores!
O ruído se tornou insuportável, a luz cada vez mais intensa e a porta começou a
ser forçada. De repente tudo parou. Silêncio. A luz desaparece. Luis imaginou
que eles tinham ido embora, mas foi quando Átila deu novo alarme, o cão voltou
seu olhar para o teto e rugiu. Foi o tempo necessário para Luís se virar e ver o
alienígena passar pelo telhado deixando um grande buraco atrás de si. Mas antes
que ele chegasse ao chão Luis já havia atirado, quando o invasor caiu seu corpo
já estava inerte e semi-dilacerado pelo tiro de sua escopeta calibre 12 dado a
tão curta distância.
Não houve tempo para comemorações, Átila se virou novamente para a porta que
finalmente foi arrombada e por onde duas figuras sinistras entravam.
Eram mais invasores. Criaturas assustadoras, eram quadrúpedes, mas tinham uma cauda dotada de garras que usavam como quinto membro, além disso possuíam uma mandíbula em forma de chave inglesa na cabeça, cabeça essa que podia girar 360°.
Combinando a cauda e a cabeça eles tinham um poder de manipulação maior do que a mão humana.
Luis atirou mais duas vezes, mas dessa vez não acertou nenhuma. O que deu tempo suficiente para que um dos alienígenas pulasse e tentasse agarrá-lo, tentasse,
pois mais uma vez Átila entrou em cena e cravou seus dentes na cauda do invasor
impedindo que esse saltasse. A outra criatura se lançou a frente para ajudar o
companheiro, mas de novo a escopeta cuspiu fogo estraçalhando sua cabeça.
O outro invasor conseguiu se desvencilhar do cão e estava prestes a ferir o
animal com um golpe mortal de sua cauda, porém isso não aconteceu, novamente
Luis atirou acertando-o em cheio. Agora sua casa tinha três monstros mortos e um
homem e um cão vivos. E ele ainda tinha um cartucho carregado na arma.
Luis saiu pela porta arrombada e olhou para a rua onde viu alguns de seus
vizinhos armados como ele, todos acompanhados de seus cães, muitos empilhavam
corpos sem vida de alienígenas. Não demorou muito e alguns caminhões do Exército surgiram na rua.
Luis olhou para Átila e comentou:
- É amigão, acho que hoje não teremos mais problemas. – ele voltou para dentro,
com cuidado para não pisar nos corpos dos invasores. Foi até a cozinha onde
pegou uma cerveja para ele é um grande pedaço de carne para Átila.
- Toma, você merece – o cachorro aceitou o presente sem pestanejar.
Luis olhou para o buraco no telhado e os corpos no chão, teria trabalho para
arrumar aquela bagunça, mas faria isso só no dia seguinte. Ele então recarregou
sua arma e sentou-se mais uma vez em seu sofá, na TV a repórter falava sobre
mais um ataque alienígena frustrado. Luis mudou de canal, abriu sua cerveja e
foi assistir futebol, agora só queria continuar a relaxar.

Luciano Silva Vieira

quarta-feira, 24 de março de 2010

Adriana

Já era a terceira pedra de craque que adriana ia fumar no dia, ainda nem eram três da tarde. A primeira conseguiu comprar com a venda de um saco cheio de latinhas de alumínio no ferro velho, a segunda ela tinha conseguido roubando um dinheiro na casa da própria avó. Sabia que ela tinha ido ao banco pegar a aposentadoria, quando ela voltou para casa, Adriana pediu que lhe desse café com pão. Enquanto a idosa foi na geladeira buscar manteiga, Adriana foi na Cristaleira e roubou o dinheiro que estava escondido dentro de um pote de sorvete. Por azar, só achou dez reais. Depois de muitos roubos seguidos, dona Fininha não guardava mais dinheiro na Cristaleira, deixava só um pouco, o do ladrão, para que a neta viciada em craque pudesse roubar, não queria correr o risco de apanhar caso ela achasse nada. A terceira pedra que ela estava prestes a fumar, conseguiu pagando um boquete na pica mole de um velho que é dono de uma birosca. O pior de tudo, o que ela mais detestava, era ter que engolir porra. Mas o velho sempre pedia que ela fizesse isso.
Apesar de estar magra, adriana era bonita, tinha belos olhos azuis, cabelos bem pretos e lisos, apesar de estarem ensebados, por causa do desleixo dos viciados, uma bunda empinadinha e bonita, com um cu que sempre lhe rendia uma boa grana quando ela ia fazer pista.
Pegou a terceira pedra, botou na marica, acendeu com o isqueiro e quando deu a primeira puxada! A pancada foi grande, parecia um soco do Mike Tyson, depois veio uma sensação de alivio, que durou, 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10 segundos e depois veio a tristeza, a fome e a vontade de fumar mais uma pedra. Primeiro foi comer na casa da mãe e depois na casa de um ex-bandido que tomou um tiro na coluna e ficou paraplégico, deixar ele chupar a boceta dela por cinco reais, se dessa vez ele quisesse enfiar o dedo no cu dela, teria que pagar mais cinco reais, talvez até rolasse uma chupada no peitinho.- pensou ela.
A primeira vez que Adriana viu matrix, foi quando ela tinha treze anos e estava sentada no portão de casa, viu aquele negro bonito, de cabelos lisos, barriga de tanquinho, sentiu um troço esquisito. Ele estava no meio de um bonde, com uns dez caras, ele deixou os outros e foi na direção dela. Ela gostou muito de ver aquele fuzil AK-47 pendurado no pescoço dele, ficou tão excitada que depois foi para o banheiro tocar uma siririca. Matrix ficou olhando para ela e disse:
- Aí! Depois posso voltar aqui e te dar um papo?
- Pode sim!
- Tu vai dar mole! Cola com ele! Como a de fé ele vai te dar tudo. Só não aceita ser lanchinho da madrugada, tu é muito bonita e tem que ser a de fé.
Adriana sempre seguia os conselhos de sua amiga July e decidiu sair com matrix. Tinha ouvido falar que ele veio de uma outra favela e agora na nova favela, ele assumiu o cargo de gerente da cocaína, um cargo muito alto na hierarquia do trafico.
Ele voltou mesmo. Conversaram por um bom tempo, meia hora depois Adriana já estava apaixonada, dois meses depois estavam morando juntos, três meses depois estava grávida e dois anos depois já tinha dois filhos.
O inicio do casamento foi ótimo, transavam o tempo todo, quatro, cinco vezes ao dia, teve um dia que estava frio e chuvoso, transaram oito vezes no mesmo dia, transavam e fumavam maconha. A principio Adriana se opôs a maconha, porem de tanto matrix falar que transar chapado era muito mais gostoso. Ela aceitou, gostou e daquele dia em diante, só transava chapada de maconha, depois passou a envenenar a maconha com cocaína. Cocaína ele conheceu depois de uma briga com matrix, onde ele a deixou toda machucada e com muitos hematomas. Tentando esquecer da coça, apertou um baseado e fumou sozinha. Matrix sempre deixava em casa alguns papelotes de cocaína, que eram para seu uso particular, Adriana cheirou os três papelotes que estavam guardado dentro de uma caixa de sapato. Desse dia em diante a cocaína nunca mais saiu de sua vida.
Um belo dia Adriana estava dormindo de tarde, já tinha feito o almoço, dado para as crianças comerem, viu a novela da tarde e foi tirar um cochilo. Acordou com July batendo violentamente na porta de seu barraco, levantou meia tonta e abriu a porta.
- O que foi July? Que desespero é esse?
- mataram o matrix!
- O que?
- Os “home” mataram o Matrix lá em cima da ponte!
Adriana começou a chorar, ela pediu a Deus que não fosse seu marido, porem no fundo, ela sabia que era ele. Deixou as crianças com a vizinha e foi ver o corpo. Quando chegou na ponte, de longe pode ver uma multidão e um camburão. Foi passando pelo meio da multidão e viu um corpo estirado no chão, coberto com um plástico preto. Deu um grito desesperado e correu na direção dele, foi impedida de ver o corpo por um policial.
- Deixa eu ver meu marido moço!
- não pode mexer no corpo! Tem que aguardar a perícia chegar. – falo secamente o policial.
- Ele é meu marido moço! O senhor não pode fazer isso. _ retrucou adriana.
O policial ia barra-la. Quando ouviu a multidão começar a gritar. Assassinos! Assassinos! Deixou Adriana passar e pediu reforços. Adriana se abaixou, tirou o plástico de cima do corpo do marido, pensava em dar um ultimo abraço nele. Desistiu quando viu o estrago que um tiro de fuzil fez no rosto dele. O crânio estava esfacelado, tinha um buraco tão grande que cabia uma mão fechada e havia muitos pedaços de miolos espalhados. Do rosto bonito, não sobrou nada. Não teria nem velório.
A boca pagou as despesas, velaram o corpo na associação de moradores, a empresa local de ônibus, emprestou um ônibus para levar os amigos e familiares de matrix ao cemitério. A empresa tinha um acordo com o trafico, se os traficantes impedissem que acorressem assaltos nos ônibus na área da favela, sempre que necessário, a empresa cederia ônibus para os enterros. Depois que voltou do cemitério e ficou sozinha com os filhos, Adriana sentou na beirada da cama e chorou. Na sua mente tinha uma pergunta. O que vai ser da minha vida e dos meus filhos. Durante três meses, conseguiu viver bem, matrix deixou uma boa quantidade de dinheiro guardado no banco e uma boa quantidade de ouro e prata. Vendendo tudo aos poucos se sustentou durante um bom tempo. Quando o dinheiro acabou, teve que arrumar um trabalho para sustentar os filhos, o único que conseguiu foi num ferro velho onde fazia a separação dos materiais recicláveis e foi nesse trabalho que conheceu o craque e passou a usa-lo desesperadamente, tentando esquecer um pouco da vida. E esqueceu tão bem, que em determinada vez, ficou usando craque por dois dias seguidos e não foi em casa cuidar dos filhos. Quando despertou e lembrou dos filhos, foi correndo para casa e não os encontrou lá. Suja e desesperada, saiu perguntando aos vizinhos se eles sabiam o que tinha acontecido com os dois filhos.
- Seu pai veio aqui e levou as crianças com ele. – explicou uma vizinha.
Adriana foi até a casa dos pais e perguntou ao seu pai, seu Antonio, onde estavam os seus filhos.
- Seus filhos estão comigo! – explicou o pai.
- Eu quero meus filhos!
- Pra que você quer os seus filhos? Quando eu peguei eles lá, as crianças estavam sujas e morrendo de fome.
- Mas são meus filhos. – tentou argumentar Adriana.
- Seus filhos? Você não cuida nem de você mesmo. Olha o seu estado. Depois que você voltou da clinica, parece que voltou pior. Eu vou cuidar dos seus filhos, eles não tem culpa da mãe que tem.
- Eu amo meus filhos pai!
- Ama nada! Você não ama nem a si mesmo. Olha o seu estado, você esta um farrapo humano. Quem não se ama, não consegue amar aos outros. Eu já decidi, eu vou cuidar dessas crianças, eles são meus netos e merecem uma vida digna.
- Eu posso ver eles pai, antes de ir embora?
- Não nesse estado. Se quiser ver eles só vou deixar quando você vier limpa e no seu estado normal, nem venha drogada que eu não vou deixar você ver as crianças.
Adriana saiu dali arrasada, parou num botequim, um cara pagou umas cervejas para ela, depois transaram no banheiro do boteco, ela ganhou cinco reais e foi para a boca comprar uma pedrinha. Adriana foi na casa do ex-bandido, desenrolaram e ela saiu de lá com dez reais, foi direto na boca. Alem da marica ela sempre carregava numa bolsinha algumas coisas de seu uso, fotos dos filhos, cigarros e um isqueiro. Comprou uma pedra de dez, sentou na beirada da calçada, suas mãos tremiam, sentia uma coisa estranha em seu intimo, um sentimento de tristeza, uma falta de expectativas, um vazio dentro de si. Só que desse vez, tudo isso vinha multiplicado por dez, nunca sentira algo assim antes. Colocou a pedra na marica e deu uma puxada, depois deu outra. Sentiu uma tonteira, sentiu algo saindo de dentro dela, algo que não dava para ninguem ver, somente ela. Sua vista ficou escura, sentiu como estivesse caindo num buraco escuro e depois não sentiu mais nada. Estava livre da vida miserável que tivera.
- Porra! Mais um viciado que morre perto da boca. Seus filhas da puta. – os dois vapores que estavam na boca olharam para o patrão. – Não disse que não era pra deixar ninguem fumar craque perto da boca!
- Foi mal aí patrão, nem vi essa doida aí. – respondeu um dos vapores.
O patrão pegou um radio e ligou para um comparsa.
- Qual foi! Manda alguém aqui na b3 com um carrinho de mão e gasolina. Não! Não é pra queimar x-9 nenhum. Uma cracuda morreu de overdose aqui. Da um sumiço no corpo. Queima e depois joga na lagoa.
E desligou o radio.

Julio Pecly

sexta-feira, 12 de março de 2010

O Drama de Um Detetive Sentimental em Busca de um Serial Killer Amoroso

Já faz duas semanas que estou no encalço deste perigoso meliante. Ele é um mistério, e os mistérios são tão fascinantes! Há duas semanas que mal como, não durmo, e não paro de pensar. Pensar é meu mal. Meu maior defeito. Minha doença. Quem me dera poder calar o meu pensamento. Quem me dera poder enfiar uma faca nele, ou dar um tiro de trinta e oito. Quem sabe assim ele não se cala! Pensamento idiota! Parece um garoto burguês, birrento e hiperativo. Pula, grita, apronta, chora, corre veloz e irrefreável. Mas nunca para. Nem na hora de dormir! Quisera eu ter um trinta e oito! É nessas horas que me arrependo de não ter servido o exército. Agora tenho que tolerar esse moleque birrento. Atualmente ele só quer buscar uma coisa: encontrar esse terrível meliante. Ele é minha obsessão, meu eixo, meu objetivo, meu alvo. Eu não sou normal. Não sou uma pessoa centrada, organizada, batizada, coisada. Eu tenho sérios desvios de personalidades. E a principal delas, a minha marca de nascença, é justamente a minha obsessão doentia por mistérios. Os mistérios são tão fascinantes! Quando pequenino, meu desenho favorito era Scooby Doo. Mas com o tempo eu vi que todas as soluções eram tão óbvias que nem valia a pena assistir. A única coisa que realmente me fazia assistir o desenho era a Velma, que fazia o meu gênero de garota. Até hoje tenho esse padrão de beleza. Sempre me interesso por garotas que tenham esse mesmo estilo dela, e, principalmente, a mesma inteligência dedutiva. Isso é justamente o que a deixava mais sexy! O jeito como ela graciosamente resolvia os mistérios... Sempre busquei a minha Velma nas garotas com quem me relacionei. Busco nessas garotas aquilo que não pude realizar com a Velma, já que ela é só um cartoon. Ah, quem me dera, conhecer Hanah e Barbera, para me dar uma Velma! Amanheci com um jeito meio poético hoje. É o que acontece comigo sempre que eu amanheço por mais de três dias sem pregar os olhos. Vai ver que é por isso que eu pisco tanto. Quando eu cresci, comecei a me interessar por coisas mais adultas, como Batman e Death Note. Nossa, L era meu ídolo, e Raito era meu ídolo! Meus olhos faiscavam de ver os dois se enfrentando em jogos de mistério tão acirrados! Algumas vezes, não muitas, eu conseguia me antecipar a eles, e prever algumas reações. A sacada é que eu não agia como se fosse uma situação real. Eu nunca tentei entrar na mente de L ou de Raito Yagami. Porque eu sabia que o mundo em que essa história acontecia, por mais similar que fosse com o nosso, ainda era um mundo que só existia na mente insana do autor. Aí é que eu entrava. Sempre tentei entrar na mente de Takeshi Obata. Ele era meu objetivo. Eu desvendei a mente dele. Sim, posso dizer isso sem medo de ser pedante. Nos últimos volumes do mangá, eu já era capaz de "adivinhar" cada passo do próximo. Eu me sentia o próprio autor. EU era Takeshi Obata! Meus colegas da época chegavam a ficar putos, porque eu sempre adivinhava o próximo volume. Alguns, indignados, pararam de comprar. Achavam que eu havia descoberto alguma fonte secreta por onde as resenhas estavam vazando. Não deixa de ser verdade. A fonte era a própria mente de Takeshi Obata. Nessa mesma época, comecei a conhecer meus mestres, irredutíveis: Augustin Dupin, que vem a ser um avatar de Edgar Allan Poe, Hercule Poirot, que vem a ser um avatar de Aghata Crhistie, e Sherlock Holmes, que vem a ser um avatar de Sir Arthur Conan Doyle. Não faço nada sem consultar meus mestres. Claro, sem contar com inúmeros outros não mestres mas que foram essenciais para o aprofundamento do meu desvio de personalidade, como Rubem Fonseca, com seu Mandrake, ou Marcos Rey. De certa forma, eles foram responsáveis pela minhas exdrúxulias. São meus mentores. Meu professor Xavier. Eles me ensinaram a usar minha loucura, ou habilidade. Eu via mistérios em tudo, e tentava decifrar tudo. Resolvia todas as questões de matemática antes de o professor passar pro resto da turma. Cruzadinha? Sudoku? Era o primeiro. Nas provas eu nunca estudei. Sempre descobria as respostas só de ler as questões e observar o meu redor, e recorrer à minha memória que é como um gravador. Eu só ouvia os professores falando. Nunca anotei nada. Eu até decorei todas as normas de geografia. Sabia citar de cor. Uma vez eu usei as regras dele contra ele mesmo. Óbvio que eu fui suspenso por três dias, porque ninguém pode desafiar a autoridade escolar e ficar impune. Ainda que saia como herói. Foi então que eu descobri que nunca se deve entrar em confronto direto com os alvos. Eu comecei a endoidar cedo, e hoje eu vivo da minha loucura, da minha capacidade de dedução. Minha mãe sempre achou que eu não ia ganhar dinheiro, que eu não fazia nada, não tinha nenhuma especialização, só ficava vadiando com aqueles quebra-cabeças ridículos. O único quebra-cabeça que eu nunca consegui montar até hoje foi minha mãe. Não sei se é porque ela tinha a cabeça dura. Nunca vou entendê-la. Nem August Dupin pode entendê-la. É com um gosto frio de vingança que eu mando um dinheiro pra ela todo mês. Eu nunca vi o rosto dela nem o que ela fala, mas pra mim é muito fácil deduzir. Olhe pra mim agora, mamãe! Eu vivo da minha loucura, eu compro suas pílulas com a minha loucura. É essa loucura que quer me levar ao fim.



Esse larápio desgraçado está consumindo todas as minhas energias. Só penso em desvendar esse mistério dia após dia. Esse é um dos mistérios mais difíceis da minha vida: perseguir um serial killer sentimental. Nunca fiz isso antes. E sabe o que é mais assustador? É que a vítima sou eu. Eu sou um investigador precoce da minha própria morte. Sou o abutre da minha própria carniça, eu que sempre me alimentei da carniça dos outros.


Eu sei que todo serial killer tem um desejo oculto: ser descoberto! Sim, essa é a ironia de toda a história. O serial killer é, por natureza, uma espécie de artista, e todo artista só que uma coisa: chamar atenção. Ainda que isso seja permeado por outros fatores, como por exemplo: a busca da beleza, ou a transformação social. Os serial killers são capazes disso tudo, e precisam de muita "arte" para fazer o que fazem. E, é obvio, eles querem reconhecimento, e até recompensas por isso. Com um killer sentimental não havia de ser diferente. Ele quer ser reconhecido, ele quer que eu o pegue. Nós somos personagens de um "teatro do improvável" sinistro. Somos os atores de um stand up comedy demoníaco. Temos funções bem definidas: o killer quer ser perseguido, e eu quero perseguí-lo. Mas por que ele quer ser perseguido? É justamente isso que me intriga. Porque se eu descobrir isso, então terei matado a charada. O que o serial killer quer comigo? Quer me matar? Quer se vingar de mim? Quer me destruir? Pegar meu dinheiro? Sugar o meu cérebro? Tudo o que sei é que esse killer é tão doido quanto eu. Somos como o Batman e o Coringa. Batman não mata o Coringa por princípios, e este mata o Batman porque ele o diverte. E até certo ponto, será que o Coringa, na verdade, não diverte o Batman? Será que o Batman ama o Coringa? Não quero injetar nenhuma conotação homossexual aqui. Quero apenas ilustrar minha relação com este serial killer. Os serial killers tem um jeito próprio de chamar atenção para si, de serem pegos: Eles deixam rastros. Rastros que são feitos para parecer displicência, para parecerem que não devem ser seguidos, mas na verdade são cuidadosamente deixados no caminho. E o padrão. Seria tolice achar que sou a única vitima desse killer, assim como o killer não é meu único caso. Mas atualmente é minha mais forte obsessão. Eu não desisto enquanto não resolvo um mistério. Essa é minha vida, minha paixão, o único rumo da minha estrada entediante.


O serial killer em questão já deixou algumas vítimas pelo caminho: um bobo da corte, um trovador e agora um menestrel. Dá pra perceber aí uma certa predileção, mas confusa. O único que obteve a graça do serial killer, até o momento, foi o menestrel. A única coisa certa é que nenhum deles tem mais alma nem coração. Onde está o coração deles? Mergulhado num vidro de formol? Trancado numa caixa de vidro? Porque tanta fome por músculos cardíacos? Eu queria saber. E também porque o meu está na lista negra (ou na hot list?). Há uma outra vítima cuja identidade é desconhecida ainda. Quem será? O bobo? O trovador? O menestrel? O detetive? Outro? Ela está morta ou ainda vai morrer? Ou talvez seja o primeiro serial killer que deu início ao ciclo de mortes... Talvez seja um killer que tenha destruído a alma do meu atual alvo... Há ainda muitas pistas avulsas: Canções, muitas canções, que, ousadamente, o killer me envia às vezes, como um desafio. Prenda-me, se for capaz! AH! Minhas faces queimam por esse mistérios. Minhas zonas erógenas ficam túrgidas ante tal ensejo! Que relação oculta terão estas canções de ninar com todo o mistério? E, finalmente, que relação terão com aquela chave... A chave que revelará o segredo do meu futuro, do meu triunfo ou da minha morte! O que me faz pensar... o que farei quando desvendar o mistério? Por que farei quando despir a verdade ante meus olhos, e vê-la nua e pura para mim? Porque perseguir tão avidamente um mistério que pode revelar minha desgraça? Porque tentar descobrir algo que talvez eu não queira saber? Então eu acho a resposta em mim mesmo, na minha compulsão. porque minha função não é entender o que acontece, minha função é revelar o segredo, sem me importar com o que vai ser feito dele. Essa é minha sina. Essa é minha compulsão. Talvez eu seja o verdadeiro serial killer! Talvez eu seja o killer sentimental que tanto persigo, ou um killer de mistérios, tentando matar, de mistério em mistério, os segredos do meu próprio coração. E talvez eu nunca descubra, porque o maior mistério de todos é a natureza humana.










Bem, as opções são limitadas: ou eu pego o serial killer, ou o serial killer me pega, ou talvez eu me entregue ao verdadeiro mistério: a mo

Devana Babu

quarta-feira, 3 de março de 2010

VIAGEM A PARIS

- Ouvi dizer que vai a Paris.
- Exato.
- A negócio?
- Não.
- Turista?
- Não.
- Missão política reservada?
- Não.
- Tão secreta assim?
- Não.
- Se não sou indiscreto...transa de amor?
- Não.
- Está muito misterioso.
- Não.
- Como não? Saúde, talvez.
- Não.
- Compreendo que não queira alarmar...
- Não.
- Busca apenas repouso.
- Não
- Fugir do trabalho, então.
- Não.
- Capricho do momento.
- Não.
- Tantos não devem significar um sim.
- Não.
- Significam sim. Vou repetir as hipóteses.
- Não.
- Temos pela frente uma indústria nova, de vulto.
- Não.
- De qualquer maneira, é financiamento internacional.
- Não.
- Então a coisa está ficando preta.
- Não.
- Está preta, e há jogadas que só em Paris.
- Não.
- Percebe-se alguma coisa no ar.
- Não.
- Não dá para perceber, mas há.
- Não.
- Mas pode haver a qualquer momento.
- Não.
- Nem hipótese?
- Não.
- Nenhuma nuvem distante, muito distante mesmo?
- Não.
- No ano que vem?
- Não.
- Ouvi mal?
- Não.
- Sendo assim, é segredo pessoal?
- Não.
- O coração é quem dita a viagem... eu sei.
- Não.
- Sim, sim. Pode confessar.
- Não.
- Hoje em dia essas coisas são públicas. Dão até cartaz.
- Não.
- Sei que não precisa disso, mas...
- Não.
- Por que não? Está com medo da imprensa?
- Não.
- Receia perder a situação social?
- Não.
- A situação financeira?
- Não.
- Política?
- Não
- Pois olhe, melhor é preparar o ambiente.
- Não.
- Claro que sim. Insinuar mudança em sua vida.
- Não.
- Discretamente.
- Não.
- De leve, só uma pincelada. Deixe comigo.
- Não.
- Não abro manchete nem boto aquela foto em duas colunas, aquela bacana, lembra?
- Não.
- Só cinco linhas.
- Não.
- Duas.
- Não.
- Mas tenho de dizer alguma coisa.
- Não.
- O senhor é notícia.
- Não.
- Pode dizer que não, mas é sim.
- Não.
- Puxa vida, o senhor hoje está medonho. Resolveu responder não a tudo que é pergunta minha?
- Não.
- Ah, é? Então vamos recomeçar: o senhor vai a Paris?
- Vou.
- E que é que vai fazer em Paris?
- Ver.
- Ver o quê?
- O Último Tango em Paris.
- E por que é que não me disse isso logo, homem de Deus?
- Você não me perguntou, por que eu havia de responder?

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 30 de janeiro de 2010

O fuzil assassino

Ao ver o irmão mais novo ali, naquele caixão, Fio tomou uma decisão. Resolveu entrar para a boca, iria matar os policiais que mataram seu irmão na covardia.
Esses filhas da puta que mataram meu irmão vão se fuder, vou matar qualquer policia que eu ver e ainda vou pegar os que mataram meu irmão. Pensava enquanto via sua mãe chorando abraçada ao corpo de Francisco.
Quando chegou em casa, a primeira atitude que tomou, foi ir na boca, falar com um amigo de infância, que era gerente do pó e primo do dono da boca. Esse seu amigo por diversas vezes o tinha convidado a entrar na boca.
- Qual foi Fio! To ta dando mole! Entra pra boca cara, vai ganhar mais do que você ganha ralando la na obra. Sei que você gosta de fumar um bagulho, vai ter bagulho de graça e as mulher vão esfregar a xota na tua cara. Essas piranhas não pode ver um cara armado, acho que a boceta fica coçando, to comendo boceta todo dia, fora as mamada, toda hora chega uma mina bonitinha me pede pó, mando logo elas pagar um boquete. Tu vai se dar bem.
- Não to doido não cara, não quero morrer ainda não. – geralmente Essa era a resposta que dava ao amigo.
Encontrou a amigo em casa.
- vou aceitar aquela tua proposta.
O amigo riu.
- Então tu já vai ganhar dinheiro hoje, vou te dar uma carga de pó, te arrumar um contenção esperto e tu já vai tirar tua grana.
- eu não quero ser vapor não cara. Me da uma arma, que eu quero ser soldado, vou me vingar da morte do meu mano. Quero é trocar tiro com esses pela saco ai do batalhão, sei quem foi que matou meu irmão, já me deram o papo.
- Então já é parceiro, sei que tu tem disposição mesmo. Só que não vai ser soldadinho não, tu é meu braço, vou falar com meu primo e tu vai fazer minha segurança e a dele. Tu não era segurança? sei que tu sabe atirar. Já é?
- Demorou! – Os dois apertaram as mãos efusivamente e se abraçaram.
- Tu vai ser útil pra caralho na firma.
Dois dias depois, Fio já tava com um fuzil na mão, um radinho e onde o patrão ia ele ia junto. Apesar de conhecer o dono da boca desde moleque não tinha muita intimidade com ele. Como foi indicado pelo primo dele, passou a ser de confiança.
Mulheres que nunca sequer tinha olhado pra ele, agora passavam a xota na cara dele, começou a pegar todas que apareciam, apesar de ganhar muito dinheiro, ainda era pouco, ganhava muito, gastava muito. Passou a ganhar a confiança do patrão quando o ajudou a sair de uma boa.
Os dois vinham a noite, junto com um bonde que fazia a ronda na favela. Estavam ao lado do rio, quando os moleques que faziam a contenção, virão um camburão e estalaram os fogos. Só que não deu tempo de ninguém se esconder e foram vistos pelos policiais, que dispararam os fuzis em cima deles. Vendo que todo mundo poderia morrer naquele momento, Fio deu um empurrão no patrão, que caiu no mato. Ele foi pra trás de um poste e descarregou o pente do fuzil em cima do camburão.
-Mete o pé patrão! Vai pra aquela cachanga de ontem, depois a gente se encontra.
Ao ver que o patrão tinha ido embora, Fio trocou de pente e largou o aço novamente, vendo que estava sozinho, correu o mais rápido que pode entrou numa casa que estava com o portão aberto, foi para a vila de trás. Em três minutos estava a dois quarteirões do local onde tinha aplicado nos policiais. Depois foi encontrar com o patrão.
Quando entrou na casa onde o patrão estava, encontrou-o de olhos fechados, sendo chupado por uma loira muito bonita, que pelo que se podia ver não era da favela, como o patrão estava de olhos fechados, Fio entrou, sentou num sofá e ficou quieto.
Depois que a loira levantou lambendo os lábios, o patrão abriu os olhos e notou a presença de Fio.
- Cole Poeba! Da meu bagulho aí, vou dar um role por aí, depois eu volto. – disse ela ainda limpando a boca.
Poeba mete a mão no bolso da calça, tira uns três papelotes de cocaína e joga para Rafaela, que abre um e cheira ali mesmo. Poeba aperta a mão de Fio.
- Valeu! Tu salvou minha vida.valeu mesmo cara.
- Será que matei algum daqueles filho da puta?
- Se matou eu não sei fio. Mas que nós estamos aqui vivos hoje, foi por causa de você.
Fio olhou para o patrão e riu intimamente. Como as pessoas podiam ter medo de poeba. O cara era baixinho, meio gordo, calvo e usa óculos. No mínimo, ele é uma figura engraçada. Mas do que assustadora.
- Eu apenas fiz o que tinha de ser feito. Agora vou pra casa. Vou dormir.
- Que mane dormir fio. – Disse poeba. – vamos fazer uma festinha aqui. Sabe essa mina que saiu daqui. Foi no carro pegar na agenda o telefone de umas amigas delas que adoram uma trilha. Daqui a pouco elas tão chegando aqui. Elas fazem tudo o que você quiser em troca de pó. Vou comer muito rabo hoje. Só bundinha bem nutrida, criada com danoninho e leite ninho, vindo diretamente da zona sul pra favela. Aproveita compadre. Já mandei também um maluco buscar umas carnes e umas cervejas geladinhas pra gente fazer um churrascão. Sei que tu não gosta de pó, mas eu tenho aqui uma maconha da boa, que secou com mel. Aquela que vem direto de Pernambuco.
- Agora tu falou minha língua. – fio tirou o fuzil do pescoço e guardou numa sala onde ficavam as armas pesadas. Ficou apenas com a pistola na cintura. Não conhecia as mulheres que viriam, se alguma fosse cana, teria que fazer alguma coisa. – Essa maconha é da boa. Traz ela lá.
Um dos seguranças de poeba foi buscar a erva. Deu para Fio e ele fez um bração de Judas.

GÍRIA DA FAVELA: BRAÇÃO DE JUDAS
BASEADO BEM GROSSO
Em menos de meia hora geral já estava alegre, rindo pra caramba. Quando por fim Rafaela chegou com três amigas. Poeba mandou buscar logo uma cocaína da boa e deu para as garotas. Depois do primeiro teco, elas já foram logo tirando as roupas, ficando totalmente nuas. Fio ficou de olho numa loirinha, muito linda, novinha, não devia nem ter 17 anos, chamou e ela foi.
- Sou toda tua! – foi logo dizendo a menina.
Ela deu mais um teco e foi logo chupando Fio. Depois ele a colocou de quatro e foi logo metendo no rabo dela. Ela gritava, gemia e dizia:
- Mete mais porra. Mete no meu rabo com força.
Fio a principio se assustou. Mais fez o que ela mandou.depois veio as cervejas e as carnes. O circo estava montado. O churrasco com suruba foi até altas horas da manha. Fio bebeu tanto que chegou uma hora que ele teve que dar um teco na cocaína para cortar os efeitos do álcool e ele poder ir para casa dormir. Se dormisse outra noite fora com as piranhas, sua mulher não ia dar sossego. Pegou seu fuzil e quando já ia saindo, poeba o chamou.
-Vai aonde fio?
- Vou pra casa. – respondeu ele.
- Pra casa! – Estranhou poeba. – Vai pra casa e deixar esse monte de buceta aqui pedindo leite.
- Tenho que ir, se dormir outra noite fora de casa, minha mina me mata de tanto falar no meu ouvido.
- Mas tu ta chapadão braço. – poeba tentava persuadi-lo a ficar.
- To nada mano! – do jeito que eu to aqui. Pego qualquer um, até o capitão nascimento.
Todos riram da piada de Fio. Isso significava que ele tava com a moral em dia na boca.
Fio saiu da casa e nem quis nenhum contenção em seu caminho, foi sozinho pra casa. Se passasse um moto táxi, ele pegaria a moto, senão ia andando mesmo. Morava um pouco mais de duzentos metros da casa onde estava acontecendo a suruba. Quando chegou na porta da sua casa, decidiu pular o muro. Colocou o fuzil em cima do muro, deu um impulso e tentou subir no muro. Não conseguiu, caiu. Ainda bem que era tarde e não tinha ninguem na rua, pois se vissem o tombo que levou, mesmo ele sendo da boca, alguém ia rir, principalmente as crianças. Na segunda tentativa conseguiu pular o muro e entrar no quintal. Notou um brilho na sala, Patrícia estava vendo televisão. Que merda! Pensou. – hoje eu não durmo.
Como sempre fazia todos os dias antes de entrar em casa, foi nos fundos da casa para guardar o fuzil no esconderijo secreto. O esconderijo consistia num buraco cavado no chão e coberto com madeiras e uma pedra grande. Ali Fio guardava, seu fuzil, sua pistola, drogas e algumas granadas. Tirou as madeiras, a pedra e destravou o fuzil pensando que estava travando. Quando enfiou a parte de trás do fuzil no buraco, a arma disparou acidentalmente e o tiro estourou a cabeça de fio.
No dia seguinte na favela, em todos os bares, esquinas, cantos e casas, todos os moradores só falavam de um único assunto: A morte de Fio.
- Que bandido é esse, que é morto pela própria arma.
- Que otário maluco!
- Eu sempre digo, estes bandidos de merda, de hoje em dia, não sabem atirar, são apertadores de gatilhos.
- Que idiota, nem sabia travar a arma.
Esses eram algum dos comentários que faziam sobre o caso do fuzil assassino, era daí para pior.

Julio Pecly

domingo, 17 de janeiro de 2010

Hormônios

Desde pequeno que Cristiano tinha um jeito muito feminino, suas feições seus gestos, definitivamente eram de menina. Não gostava de jogar bola e nem de saltar pipa. Gostava mesmo era de brincar de boneca com as meninas. O pai sujeito heterossexual convicto, que dizia detestar viado. Tentava ainda tapar o sol com a peneira.
- Meu filho brinca com meninas, porque ele já ta querendo namorar. Tenho até que mandar ele maneirar. Não quero arrumar briga com o pai de nenhuma menina. Ele já deve ate estar fazendo saliência.
Pai sempre tem razão, Cristiano fazia mesmo saliência, só que com outros meninos.
Já com a mãe, a situação era diferente, ela sabia que o filho não era igual aos outros meninos, ela não gostava disso e nem entendia. Seu filho podia ser o que fosse, não importava, ela o amaria do mesmo jeito e o protegeria.
A partir dos dez anos que ele começou a entender que não era igual aos outros meninos, ele não gostava de meninas, gostava sim de ficar perto delas, o corpo que o atraia, definitivamente não era o feminino. Por dentro tinha raiva de si, porque não era igual a todo mundo, porque ser diferente e porque ele. O que incomodava muito mesmo, era o fato de não ter ninguém com quem conversar. Até que um dia ele resolveu procurar a mãe e desabafar.
Com o passar dos anos, ele nem lembrava o que os dois conversaram naquele dia, em suas lembranças só havia ficado uma única frase: “ você pode ser o que for, eu sempre vou te amar”. Desse dia em diante o céu escuro se abriu e mostrou um belo arco-íris. Porem com o pai não teve jeito, ele nunca aceitou a opção sexual do filho. Conforme Cristiano foi crescendo e se tornando mais feminino, o pai não conseguia nem olhar na cara dele. Não teve opção, o único jeito encontrado por Cristiano foi se mudar. De uma favela, ele simplesmente foi para outra, não muito longe de casa, pois ainda tinha a mãe e os irmãos que o aceitavam como ele era.
Como tinha que se sustentar sozinho, teve que abandonar os estudos aos dezesseis anos e começar a trabalhar, na única coisa que sabia fazer, cabeleireiro.
Com o passar dos anos, sua vida foi mudando, dois itens foram os que tiveram as maiores mudanças.
Primeiro: profissionalmente. Como era um excelente cabeleireiro, o salão onde trabalhava, vivia sempre cheio, todas as mulheres do entorno e muitas de longe, vinham até o salão para ver com seus próprios olhos, as maravilhas que a Cris, como passou a ser conhecido, fazia com os cabelos . em menos de dois anos ele já tinha seu salão e não tinha mais patrão.
Segunda: seu corpo. Como sua conta bancaria foi aumentando, Cris pode investir em si mesmo. Comprou os hormônios mais milagrosos que existem, colocou silicone nos peitos, botox nos lábios, nas nádegas, cuidou dos cabelos. Aos 19 anos era uma das mulheres mais lindas e gostosas da comunidade, uma mulher com pica, para alguns homens isso não era problema.
Sabendo o domínio que exercia em alguns homens, Cris começou a seduzir alguns de seus vizinhos, sempre que tinha sol, ela estendia uma toalha no quintal, colocava o biquíni que mais fosse enfiado em sua bunda e ficava tomando sol Sem a parte de cima do biquíni, sabendo que os caras ficavam observando de cima das lajes. A noite Cris colhia os frutos da sedução, sempre a noite um ou dois caras, as vezes três, pulavam o muro, sempre um de cada vez, pois não queriam ser vistos, se tal acontecesse, seriam zoados no dia seguinte. Cris adorava isso, abria a porta, mandava o cara entrar. Ninguém dizia nada, Cris ia logo arriando as calças do cara e começava a pagar um boquete. Cris não gostava de ficar nua, tinha vergonha do seu pênis, pra deixar o sujeito excitado ela ficava esperando de calcinha e sem soutien. Tinha uns que queriam beija-la na boca, tinha outros que queriam chupar seus peitos, nada disso Cris permitia. Depois do boquete ela levava o cara pra a cama e dava o rabo para ele. Só que Cris transava sempre de costas para as pessoas, não queria de jeito nenhum que vissem seu pinto. Como tinha medo de pegar alguma doença, sempre usava camisinha, detestava, só que o medo era maior. Já o boquete era sem camisinha, porque ela adorava o gosto de porra, como depois vomitava, achava que não tinha problema. Assim Cris passava suas noites. De dia estava pronta para pegar no batente.
Sempre que podia Cris dava uma sacaneada nos caras que a comiam. Um deles numa noite, esqueceu o boné em cima da cama, ficou meio desnorteado depois que gozou, meio envergonhado de tanto que gemeu, foi embora. No dia seguinte quando Cris foi comprar pão, viu o cara encostado num poste, voltou, pegou o chapéu. Quando passou onde ocara estava, parou e disse:
- Olha o que você esqueceu lá em casa. – jogou o chapéu em cima do cara.
Um outro rapaz que estava ao lado dele, engoliu o riso. Enquanto seguia seu caminho Cris pode ouvir o cara dizendo “ depois diz que não” e o outro respondendo “ esse viado ta maluco, esse boné não é meu”. Cris riu. Apesar da brincadeirinha, ele ainda voltou muitas vezes na casa de Cris.
Tinha algo que Cris temia muito que acontecesse, se apaixonar por um desses amigos dela e foi exatamente o que aconteceu. Era uma noite chuvosa, Cris já havia recebido três visitas, estava até com a boca dormente de tanto chupar rola,ouviu umas batidas na porta.
- Esse eu vou dispensar. Amanha tenho que trabalhar.
Quando abriu a porta, Cris ficou de boca aberta, era um cara que ela via quase todos os dias, era um vapor da boca, só que ela sempre que o via, comia o rapaz com os olhos, pois era o seu tipo preferido, negro, alto, cabeça raspada e forte. Em seu intimo ela sabia que ele também a observava. Apesar de estar só de calcinha deixou que o rapaz entrasse.
- Deixa eu me esconder aí. Os “home” estão perturbando a favela.
- Entra. – convidou Cris, afastando-se para que ele pudesse entrar.
O rapaz que se chamava Edson estava todo molhado e tremendo de frio.
- Aguarda ai que vou trazer uma toalha e umas roupas secas pra você.
Cris foi no quarto ainda tinha umas roupas de homem, que usava quando ia visitar a mãe, pois sabia que se chegasse na casa do pai vestido com roupas de mulher, com certeza ele não a deixaria entrar. Pegou uma bermuda larga e uma camisa de algodão.
- Acho que vai dar em você.
Cris começa a ajudar Edson a tirar as roupas, antes ele tira a arma da cintura e da na mão dela.
- Esconde aí pra mim, derrepente os “home” bate aqui se me pegarem com uma arma vão me levar de dura.
Enquanto ele falava, Cris podia notar que ele a observava e que estava de pau duro, era tudo que ela queria saber, começou a se insinuar pra ele, ao pegar algo no chão se abaixava de costas para ele, quando tirava a camisa dele encostou seus seios nos peitos dele e quando tirou a cueca dele, foi logo abocanhando a pica de Edson, que não se fez de rogado e empurrou a cabeça dela contra seu pênis, Cris quase engasgou mais continuou fazendo o trabalho. E dali pra frente foi uma noite de sexo como ela tivera poucas na vida. No dia seguinte estava com o rabo tão dolorido e assado que teve que passar quase o dia todo de pé.
Durante uma semana essa foi a rotina noturna dos dois, estranhamente todos os amigos que Cris tinha feito sumiram, sabendo que um cara da boca tinha entrado na festa, ficaram com medo e sumiram.
Sem que ninguém desconfiasse, Cris começou a sondar a vida de Edson, descobriu que ele tinha uma mulher, a de fé, com a qual tinha dois filhos,que os dois brigavam o tempo todo descobriu também que ele era cria da favela e que ele tinha vergonha que descobrissem que ele estava comendo um viado e que estava apaixonado por Cris. Das descobertas que fez, a que pareceu pior de todas pra ela, foi o fato de estar apaixonada por ele também. Em seu intimo sabia que esta história não iria terminar bem.
Numa noite em que esperou Edson e até as três da manha ele não veio. Cris acabou dormindo no sofá, acordou com o peso de Edson tentando penetra-la, se ajeitou, enquanto ele metia nela, começou a escutar os gritos e xingamentos dele.
- Seu viado filha da puta, porque que você entrou na minha vida!
Depois dos xingamentos vieram as porradas. Cris ainda tentou se defender, mas apanhou como nunca havia apanhado na sua vida. Edson estava completamente drogado de cocaína. Quando despertou no dia seguinte, saiu sem dizer nada.
Voltou alguns dia depois, não disse nada, não pediu desculpa, somente transou com Cris e foi embora.
Todas as vezes que Edson chegava drogado na casa de Cris, eles transavam e ela era xingada e apanhava, estava ficando cansada disso. Sabia que ele fazia isso, porque estava infeliz no casamento, as pessoas sabiam que ele estava comendo um viado, apesar dele negar, seus amigos de trafico o zoavam.
Num dia quando Cris voltava do mercado, de longe viu Edson traficando, continuou seu caminho, ao passar em frente ao local onde ele estava, Edson virou-lhe o rosto. Cris parou e olhou bem nos olhos dele.
- aqui na rua tu finge que não me vê, mais quando ta la na minha casa me comendo, diz até que me ama.
Carlos olhou pra ela e olhou para os parceiros de trafico. Estavam todos rindo.
- Comedor de viado!
- Alem de comer viado, ainda esta apaixonado.
- que bandido é esse maluco!
- esse viado ta maluco! Onde que eu comi ele! Vou te matar seu desgraçado.
Carlos sacou da pistola e descarregou o pente no corpo de Cristiano.
- esse viado era mentiroso.
Não houve nenhum tipo de punição para Edson. Uma irmã de Cris continuou tocando o salão. A família alugou a casa dele. Edson morreu num tiroteio com a policia três meses depois.

Julio Pecly

domingo, 3 de janeiro de 2010

“O PÁSSARO AZUL”

“Há um pássaro azul em meu peito

que quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo, fique aí,não deixarei que ninguém o veja.

Há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas eu despejo uísque sobre ele e inalo

fumaça de cigarro

e as putas e os atendentes dos bares

e das mercearias

nunca saberão que

ele está

lá dentro.

Há um pássaro azul em meu peito

que quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo,

fique aí,

quer acabar comigo ?

(…) Há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas sou bastante esperto, deixo que ele saia

somente em algumas noites

quando todos estão dormindo.

Eu digo: sei que você está aí,

então não fique triste.

Depois, o coloco de volta em seu lugar,

mas ele ainda canta um pouquinho

lá dentro, não deixo que morra

completamente

e nós dormimos juntos

assim

como nosso pacto secreto

e isto é bom o suficiente para

fazer um homem

chorar,

mas eu não choro,

e você ?”

Charles Bukowski