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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Esaú

Esaú estava no quarto diante do espelho, penteava o cabelo e acabava de se aprontar para o culto. Seu irmão Jacó com quem dividia o quarto entrou, na mão ele trazia um pão com manteiga, já reduzido à metade.
- E aí mano, ta se arrumando todo assim pra que? Pra pegar as irmãs da igreja né!
Esaú olhou para o irmão e disse bem sério:
- As mulheres da igreja não são iguais a essas mulheres do mundo não.
- no que elas são diferentes? – Jacó colocou o pão na boca e apertou o pênis. – o que uma gosta as outras também gostam.
- pelo que eu vi, você não entende nada de mulher. Vamos para o culto hoje?
- hoje não! Ainda não chegou a minha hora. Vai orando por mim, na hora certa eu vou seguir o caminho.
- Ai que mora o problema meu irmão. Agora nesse momento pode ser a tua ultima hora. Essa pode ser a ultima vez que Jesus te chama.
- que nada cara, to novo ainda, to curtindo a vida, na hora certa eu e Jesus a gente vai se entender.
- vou continuar orando por você meu irmão, do mesmo jeito que eu faço todos os dias. Deixa eu ir pro culto senão eu me atraso.
- Ora mesmo por mim Esaú.
- Eu oro, porque eu sei como esse mundo ai fora é perigoso.
Na rua Esaú cumprimentava os irmãos, não só os da sua igreja, como os de outras igrejas.
- Paz do senhor meus irmãos. – desejou ele para um grupo de cinco irmãos de uma mesma família. O pai, a mãe e os três filhos desejaram o mesmo para ele.
Quando chegou na igreja, faltavam quinze minutos para começar o culto. Ficou parado na entrada da igreja conversando com alguns irmãos. Queria saber na casa de qual irmão seria o culto de quarta a noite.
- o culto vai ser na casa do irmão Altamiro. Vai ser um culto de agradecimento, o filho dele mais novo, passou no vestibular. – respondeu o irmão Joel.
- Oh gloria, irmão! Que bênção hein! Jesus sempre operando. – Esaú ficou feliz, pois sabia do esforço do irmão Altamiro para pagar cursos para o filho.
O irmão Sávio avisou a todos que estava na hora de entrarem, pois o culto matutino dominical iria começar. Esaú sentou no seu local de costume, o quinto banco da fileira do meio. O pastor agradeceu a presença de todos e fez uma oração.
– Senhor meu deus, meu pai, criador dos céus e da terra. Que deu seu único filho para que pudéssemos ser perdoados de todos os nossos pecados. Tomai hoje a frente de nosso culto, que possamos sair daqui, sabendo que seu amor por nós é imenso. Não podendo ser medido por padrões humanos. Olhai por todos nós, perdoai nossos pecados. Ilumine nossos pensamentos e toma a frente desse culto. Isso é o que lhe pedimos, em nome de Jesus. Amem!
O pastor fez um breve resumo das atividades semanais, fez as prestações de contas referentes ao dizimo e as ofertas que foram devolvidas pelos irmãos, deu os parabéns aos aniversariantes do mês, orou novamente e pediu que todos os irmãos abrissem suas bíblias no livro do apostolo São João, no capitulo três, no versículo dezesseis. Todos leram juntos, oraram de novo. Em cima desse versículo o pastor Ebirom pautou a mensagem.
– Irmãos! Quando Jesus andou por esse mundo, acham que foi atoa? Claro que não, ele andava levando os ensinamentos dele e pra nos mostrar que devemos, andar sempre nos caminhos do senhor e pregar. Pregar para todas as criaturas. Devemos pregar em qualquer local que tivermos. Na fila do banco, no ônibus, na feira, no hospital. Nossa missão nesse mundo é levar a cura para os doentes e qual é a cura? A palavra de deus que esta aqui!
Nesse momento o pastor ergueu a bíblia e todos irmãos disseram em uníssono.
- Louvado seja a Deus! Aleluia! Aleluia!
Do lado de fora da igreja ouve-se uma seqüência de muitos tiros. O pastor da uma parada na pregação.
- Por favor irmão, fecha a porta da igreja e não se preocupem irmãos. Aqui dentro estamos debaixo da proteção de deus.
O culto continuou sem mais interrupções. Antes de terminar, o pastor fez a oração final.
– que deus nos proteja irmãos! Que cuide de nos, que nos proteja agora que vamos voltar para os
nossos lares, nos de uma boa semana. É isso que humildemente lhe peço, senhor meu deus, criador dos
céus e da terra. Em nome de Jesus. Amem!
Os irmãos abrem seus olhos e sorrindo, cumprimentaram-se. O porteiro foi até a porta, abriu e olhou para fora, vendo se havia ainda algum perigo.
- Ta tudo tranqüilo irmãos. Não esta tendo mais tiro.
Esaú conversava com a irmã Ângela, uma senhora gorda, mãe de três meninas e uma excelente cozinheira. Não era atoa que ela era bem gordinha.
- onde já se viu tiroteio em plana luz do dia.
- essa favela está uma confusão danada, irmã. Esse lugar aqui já foi muito bom. Mas eu sinto irmã, que Jesus tem uma obra pra esse local.
- Aleluia irmão! O sangue de Jesus tem poder! – enquanto falava, erguendo as mãos para o alto, seus seios fartos balançavam. – meu irmão, aparece lá em casa hoje a noite, minha prima da igreja de Madureira vai estar lá. O irmão é solteiro, ela também é solteira. Quem sabe não é ela que deus reservou pro irmão.
– irmã, eu até vou na sua casa, mas pra fazer uma visita a senhora. Não precisa a senhora ficar me apresentado seus parentes, a pessoa certa pra mim, vai chegar na hora certa. Nós temos que viver no nosso tempo e deus tem o tempo dele. Eu vou sim! Pode me aguardar, hoje eu não trabalho e a irmã sabe que eu me amarro nos seus doces. Eles são maravilhosos. Deixa eu ir, tenho que fazer uma prateleira pra minha mãe. Paz do senhor.
– paz do senhor meu irmão.
Esaú sai da igreja, a favela estava uma bagunça. Era sempre assim depois de um tiroteio. Ao falar com as pessoas, ele sentiu uma diferença no olhar delas, parecia que tinha acontecido alguma coisa. E tinha. Um pouco mais a frente de onde ele estava, havia uma aglomeração de pessoas em volta de um corpo coberto com um lençol branco. Sua tia chorava e ao vê-lo, veio em correndo em sua direção. Na mente de Esaú, ele adivinhou o que houve. A bíblia caiu da mão dele. Esaú começou a chorar. A tia tentou abraça-lo, ele se desvencilhou dela.
- Não vai me dizer que é o Jacó tia?
O silencio da tia foi a confirmação do que ele mais temia. Mataram seu irmão mais novo. Esaú se aproximou do corpo do irmão e ficou olhando.
- O trato não era esse! O trato não era esse! – gritou entre as lagrimas que desciam de seus olhos.
Esaú se abaixa e descobre o corpo do irmão. Três tiros no peito, acabaram com a vida de mais um viciado, que algum tempo atrás já tinha sido um bom filho. Durante alguns segundos, Esaú ficou abaixado, quieto, apenas olhando para o corpo sem vida do irmão. Esaú ficou de pé, e começou a andar em volta do corpo do irmão. Ele falava como se tivesse brigando com o irmão, por ele ter feito algo muito errado.
– não cara porque você não me escutou. Eu te falei que isso ia acontecer, eu te falei. E agora? E a mãe? E tua filha? E eu mano, vou chamar quem de irmão? Eu não tenho mais irmão. E a mãe e a mãe?
A mãe de Esaú, uma senhora com mais de sessenta anos, vem correndo o maximo que pode, sendo amparada por duas moças. Ela para ao lado do corpo do filho morto e apenas o observa. Não diz nada durante cerca de um minuto. Depois ela olha para Esaú e da uma ordem. Sua voz sai áspera, doída.
- vamos levar ele pra casa, filho meu não vai servir de espetáculo pra ninguém ficar olhando.
Ezaul pega o corpo do irmão e o carrega pelas ruas, sendo seguido por algumas pessoas. Esaú deposita o corpo do irmão em cima da cama da mãe e incontinente abre o armário.
- ta procurando o que meu filho?
- vou matar o Valquir mãe. A gente tinha um trato, eu estava pagando aos poucos a divida que o Jacó tinha com ele e ele furou o trato.
– Eu não quero perder dois filhos no mesmo dia.
- a senhora não vai não minha mãe.
– então não vai atrás desse cara.
– tenho que ir mãe.
– E a sua igreja.
– mãe, isso é entre eu e o Valquir. Jesus não tem nada a ver com isso.
– Não vai!
Ezaul verifica a pistola, tira o pente, coloca de novo, destrava e coloca na cintura. Sentada a mãe vê seu filho sair, nesse momento ela começa a chorar.
Na rua, Esaú não vê nada, vai caminhando decidido a procura de Valquir. Ao passar pela porta de um bar, não consegue ouvir um comentário as suas.
- coitada da mãe dele, já perdeu um filho e vai perder o outro.
Conforme vai caminhando pelas ruas da favela, todos os fofoqueiros e fofoqueiras, vão falando.
- o Valquir vai matar ele.
- vai nada maluco! Quando o Esaú era da boca, ele era o cara mais sinistro.
- ele era crente falso, uma vez traficante, sempre traficante.
- nem todo aquele que diz senhor, senhor, será salvo.
Numa esquina três caras fumam maconha, Valquir e mais dois.
– passei mesmo! Era maior vacilão, tava devendo a firma mesmo. Esse filha da puta ia morrer mesmo. Tava viciadão em craque. – Valquir falava sem nenhum ressentimento.
– tu viu o cara estrebuchou e ficou la de bigode. – disse Guga, um vapor.

GÍRIA DA FAVELA
FICOU DE BIGODE – MORTO, ESTIRADO NO CHÃO

– a vida do crime é assim, cadeia ou cemitério.
Ao dobrar a esquina, Esaú avistou Valquir e os outros dois bandidos.
De pistola em punho, surpreendeu os três.
- quero só o Valquir.
Os dois covardes saíram correndo, deixando os dois inimigos sozinhos. Os moradores que estavam por perto ao ver os dois frente a frente se esconderam, tinham medo de uma bala perdida sobrar pra eles. Se esconderam, mais de modo que pudessem assistir a tudo que estava por acontecer.
– Agora é entre nos dois. Qual era o nosso trato?
– o trato morreu irmão. Teu irmão já devia o dobro do que ele tava devendo e você não pagou nem a metade. Neguinho já tava me cobrando. Era eu, ou teu irmão, tinha que ser feito cara.
– sabe que eu vim aqui pra te matar!
– irmão! Se tu é sujeito homem, eu também sou. Ta ligado! Nem entrei nessa de bobeira não. Só que eu também vou tentar a sorte. Se é de chorar a minha mãe, que chore a tua.
Ezaul levanta a pistola e atira na direção de Valquir que se joga no chão. Ouve-se um choro de criança. Esaú olha na direção e vê uma menina caída no chão chorando. Valquir se levanta aponta a arma na direção de Esaú, só que a arma trava e o barulho chama a atenção de Esaú, que levanta e atira na direção de Valquir. Valquir corre em ziguezague e nenhum tiro pega nele. Quando Esaú retoma a razão, ele vê uma menina de uns nove anos de idade caída com uma mancha vermelha no peito. Esaú se aproxima da garota, ela não se mexe. Esaú a pega no colo e tenta correr para leva-la ao hospital e não consegue, seu corpo simplesmente não sai do lugar.
- Não! Você não vai morrer! - Gritava Esaú.
- Cala a boca caralho! Vai dormir porra! Eu quero dormir caralho!
Eram os últimos meses de Esaú na cadeia. Finalmente ele ia concluir o que não conseguira seis anos atrás. O mesmo sonho todas as noites, ele tentava levar a menina que sem querer havia baleado e não conseguia. Ele não conseguia, durante os seis anos em que permaneceu na cadeia, tinha esse sonho quase todos os dias.
Estava sentado no pátio tomando um banho de sol e pensando. Só mais três meses que vou ficar aqui nesse inferno. Do bolso tirou uma carta antiga que sua tia tinha escrito e começou a reler. “... ela não agüentou, perdeu um filho num dia e no outro, prenderam o outro filho. Ela sempre dizia que não ia resistir muito tempo. Mas triste ainda ela ficou quando você mandou avisar que não era pra ela te visitar na cadeia. Ela jantou, viu a novela e foi dormir. De manha quando eu fui acordar ela, ela não despertou, teve um ataque cardíaco enquanto dormia e morreu como um anjo. O medico que fez a autopsia, disse que ela morreu sem nenhum sofrimento. Agora ela esta do lado do filho e olhando por nos lá de cima. Sua mãe era uma pessoa muito boa Esaú, ela esta num bom lugar. Se cuida meu filho, toma cuidado com as pessoas ruins que estão aí dentro. Um abraço dessa sua tia que te ama muito. Beijos da sua tia Telma.” Depois Esaú tirou outra carta do bolso e releu, “ ... poxa primo, não queria nunca estar te escrevendo uma carta dessas, infelizmente estou te escrevendo pra dizer que a tia telma faleceu. Ela saiu de casa pra pagar uma conta no centro da cidade e acabou sendo atropelada por um ônibus no cruzamento da presidente Vargas com a Rio Branco. Estou te escrevendo porque sei que ela gostava muito de você. E achei que você devia saber. Um abraço cara, do seu primo Luiz Otavio.” Caramba, em seis anos de cadeia perdi as pessoas mais importantes da minha vida, minha mãe e minha tia. Então só e resta fazer uma única coisa na favela, matar o Valquir. Depois vou para algum lugar ver se continuo o resto da minha vida. Pensava Esaú.
Esaú saiu da cadeia por bom comportamento, quando as portas se abriram e ele pode ver a rua. E do outro lado da rua, o outro filho de sua tia telma o esperava num chevete cara de cachorro 77, muito bem conservado.
- trouxe o que eu te pedi?
Luiz Felipe olhou para o primo, parecia muito mais velho que os trinta anos que tinha. A cadeia mudou muito o rosto de Esaú.
- Trouxe, ta aqui comigo.
Luiz Felipe tirou uma pistola do porta luva, quatro pentes e entregou para Esaú. Ele pegou a quarenta e cinco na mão, destravou, olhou, colocou um pente e os outros três pentes ele colocou no bolso de trás das calças.
A viagem demorou cerca de quarenta minutos, terminou quando chegaram na entrada da favela.
- tu me deixa aqui. Daqui em diante eu sigo a pé.
Na favela não se falava de outra coisa. Na casa de endola, enquanto embalavam as drogas, os traficantes fofocavam.
- tão falando que o Esaú sai hoje da cadeia, será que é verdade?
- eu já ouvi dizer que ele até já saiu, ta só estudando a favela, pra ver a melhor hora de atacar.
- sou mais o Valquir neguinho, o cara ta na rua, já o outro ta na cadeia, deve ta gordo e nem conseguindo correr.
- Sei não, quando ele tava formado ele era sinistro.
Nas ruas da favela, os moradores também estavam preocupados, com medo e fofocando.
- vou pegar meus filhos na escola e vou ficar dentro de casa.
- tomara que o Esaú mate mesmo o Valquir. Ele é safado.
- Esaú vai é se foder!
Como todos estavam sabendo, sempre tinha os fofoqueiros que iam bater tudo o que acontecia na boca. Um desses fofoqueiros era o fuinha, que ficava na favela, vasculhando tudo, ouvindo nos cantos, para dar a noticia aos chefes do trafico e em troca, ganhar droga.
- Cole valquir, tão a maior fofoca na favela, tão dizendo que o Esaú vai sair da cadeia hoje só pra te catar.
- Meu “cumpadi”, ele que venha, se ele ta quente eu to fervendo. Quero terminar essa porra toda, já faz mais de seis anos que estou esperando esse momento.
Esaú saiu do carro a cerca de duzentos metros da entrada da favela. Quando chegou na favela, respirou fundo e sentiu aquele cheiro de maconha e perfume barato, que ele sempre gostou. Já fui muito feliz aqui. Pensou. Mal entrou na favela, a irmã Ângela o parou.
– meu irmão!
Ezaul olhou pra trás e não teve nenhuma reação ao vê-la.
– não faz o que você veio fazer nessa comunidade.
– irmã, nada vai me fazer mudar de idéia.
– você é um homem de deus.
– não minha irmã. Já fui um homem de deus. Hoje eu sou um enviado do demônio, vim cobrar uma divida. Eu já estou no inferno irmã e vim aqui buscar o Valquir, lá é o lugar dele.
– me dói muito ouvir isto irmão. Mais ainda há tempo de você se arrepender e pedir perdão a Jesus.
– irmã eu perdi muitas pessoas que eu amava. Hoje eu vivo por viver, como por comer, respiro por respirar. Eu to morto em vida. E irmã, vá pra casa, não quero que ninguém que eu goste se machuque, mas vou fazer o que vim aqui pra fazer.
– Jesus te ama meu irmão.
– nos brigamos irmã.
Ezaul segue seu caminho favela a dentro.
Galo entrou correndo na casa onde Valquir estava escondido.
- Cole Valquir! O Esaú esta na favela.
- porra maluco! Manda ele vir e tentar a sorte.
- Aí Valquir se você quiser a gente monta um bonde, caça ele pela favela e mata ele.
- Não galo, ele é meu, se alguém vai matar esse desgraçado vai ser eu.
Conforme vai caminhando favela a dentro e as pessoas vão vendo ele passar, Esaú pode ouvir os comentários, alguns a favor dele, outros contras. Porem nada disso interessava a ele, na sua mente só tinha um pensamento. Matar o Valquir. Esaú pula um muro e entra numa casa muito mal conservada, com o quintal muito sujo, as paredes mais ainda, sem nenhuma dificuldade ele abre uma porta e entra dentro da casa, quem ele procura, Teleco, está deitado numa cama imunda. Ao se dar conta da presença de Esaú, ele tenta fugir.
– da mais um passo que tu vai pro inferno.
Teleco para.
– o que você esta fazendo aqui na minha casa Esaú?
– quero informações e foi isso que você sempre trocou pra ganhar maconha e cocaína, e pelo visto desde o meus tempos de boca que você faz isso e continua fazendo.
– o que você quer de mim?
- onde se esconde o valquir.
– poxa seu eu soubesse disso eu te dizia.
– mais você sabe?
– sei não cara! Eu sou só um viciado
– eu vou te matar cara.
– não me mata não, eu era amigo do teu irmão.
– amigo o caralho! Meu irmão foi morto e vocês só andavam juntos, parte da divida de droga dele, era sua.
– se eu te falar eles vão me matar depois.
– melhor depois do que agora.
– eu vou te dizer, já to morto mesmo. Mata o Valquir mesmo, esse desgraçado não merece viver mesmo, teu irmão era meu braço. Ele não merecia morrer daquele jeito.
teleco começa a chorar.
- A gente era amigo sabia, eu fugi naquele dia que mataram seu irmão, fui pra casa de uma tia em Minas, só voltei a dois anos atrás, minha mãe pagou minha divida com esse maluco. Ele é safado. Vou te dizer onde ele se esconde. Mais aí mata esse filha da puta mesmo.
– se você me der a boa, não vai ter erro.
– então já é.
Esaú continua sua caminhada favela adentro. Nesse momento já não estão nas ruas muitas pessoas, pois elas sabem que uma troca de tiros entre Esaú e Valquir, vai acontecer em algum momento. Dois meninos jogam bola de gude, um deles da um teco e erra, a bola vai longe, na direção de Esaú, os meninos ao verem Esaú, param, o dono da bola, pega a bolinha perto de Esaú e os dois vão correndo para suas casas. Ele entra num boteco.
– fala aí seu Bené.
Seu Bené esta de costas, ajeitando umas garrafas. Ao se virar e ver Esaú ele se assusta.
– disseram que você ia vir aqui na favela, matar o cara que matou seu irmão. Você veio né.
– vim sim seu Bené.
Seu Bené olha para um lado, olha para o outro. E fala baixinho com Esaú.
– mata mesmo, os moradores detestam esse cara desde do dia que ele matou seu irmão na covardia. Mata ele e vira o dono dessa favela.
– já sai dessa seu Bené. Vou só matar esse desgraçado e vou seguir meu caminho.
– então meu filho, livra a gente dessa desgraça que é esse cara.
– pode deixar seu Bené. - Esaú olha para a rua. E vira-se de novo para o balcão.
Seu Bené pega um copo e uma garrafa e capricha na dose. Esaú pega o copo e bebe de uma talagada só e bota o copo vazio no balcão. Ele tira um dinheiro do bolso.
– não meu filho, essa é por conta da casa.
Esaú aperta a mão do dono do bar.
– então deixa eu ir nessa.
Esaú sai do bar. Escurece na favela. Esaú caminha mais um pouco pela favela, para debaixo de uma arvore, uma amendoeira. Ele sobe na arvore e de lá de cima vê as pessoas passando.
Na casa onde Valquir esta escondido, ele conversa com um outro bandido e tem mais outro capanga tomando conta da entrada da casa.
- chegou a hora, a noite chegou e ta na hora de bandido sair de debaixo do edredom, que o bicho vai pegar. Vou matar esse cara e ter minha moral de volta. Vocês dois vem comigo.
Os três saem da casa e vão caminhando pelas ruas da favela. Depois de cerca de meia hora de caminhada pela favela, perguntando as pessoas se elas viram Esaú e recebendo sempre um não como resposta. Deixou Valquir enfurecido.
– essa favela ta contra mim, porra eu matei aquele viciado do caralho do irmão dele, porque o cara me devia muito, a gente que é bandido tem que dar o exemplo.
– vamos chamar mais pessoas pra elas nos ajudarem a achar esse filha da puta. – Dedão tentava ajudar o patrão.
– mais gente! Vocês tão maluco, quer que eu chame os bandidos todos pra tentar achar um bundão que saiu da cadeia e disse que ia vir aqui me matar. Não! Nos mesmos vamos achar ele.
Do alto da arvore, Esaú se espreguiça a ver os três se aproximando dele. De onde esta consegue ouvir Valquir falando.
– galinha de casa não se corre atrás, vou pra minha casa e vamos ficar esperando ele, quando ele vier a gente larga o aço.
Esaú espera os três passarem pela arvore e depois pula, já com a pistola na mão, da um tiro em Dedão e outro em Juca, Valquir fica sem reação.
- é agora Valquir! – disse Esaú sem nenhuma emoção na voz.
– vai tomar no cu! Perdi! me mata logo! – gritou Valquir.
– acredita em deus? – Perguntou Esaú.
Valquir ri.
– tu acha que deus me quer no paraíso?
– não quer mesmo não.
– ta esperando o que?
– pensei que nessa hora que eu sonhei tanto acontecer nesses anos que eu fiquei na cadeia, eu ia me sentir o cara mais feliz do mundo. Eu não to sentindo nada.
– eu matei teu irmão sim, mais se você estivesse no meu lugar, como já esteve, você teria que fazer a mesma coisa.
Esaú, aponta a pistola pra valquir atira três vezes. Valquir cai morto no chão. Esaú se vira e começa a caminhar. Tira um pente do bolso de trás das calças e joga fora. Tira o pente da pistola e joga fora também. Por ultimo ele joga a pistola e vai caminhando por uma rua que o leva para fora da favela. Um senhor vem na direção dele, quando os dois vão se cruzar, o senhor tira uma faca da cintura e enfia na barriga de Esaú. Esaú olha para o homem com os olhos arregalados.
– porque?... – Esaú queria entender porque esse homem lhe dera uma facada mortal. Não queria morrer sem saber o porque.
– minha filhinha! – respondeu secamente o homem.
Esaú começa a chorar, o senhor vai embora caminhando. Esaú cambaleia e consegue se sentar na beira da calçada, com as costas encostadas no poste, ele chora. Morre sentado, encostado num poste, com a mão na barriga.

Julio Pecly