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domingo, 25 de julho de 2010

O Contenção

Gíria da favela
Contenção – olheiro

Cesinha tomou banho e as seis horas da tarde estava na sua base, a base três. A base três era a pior base para ficar observando se a policia entrava ou não na favela. Era ruim porque no local não tinha apenas uma rua, era uma encruzilhada onde tinha de se preocupar com os carros que vinham das quatro direções,o camburão ou a radio patrulha e ainda os carros civis que os policiais as vezes entravam na favela, na maior parte das vezes em missões não oficiais. Podiam vir de qualquer uma delas, da esquerda, da direita, pela frente, por trás, por isso era bom estar sempre alerta. To vendo alguma coisa lá longe! Caralho! Que carro é aquele? Acho que não é a policia não! Quando o carro se aproximou, Cesinha pode notar que era um gol branco de algum morador. Não teria que estourar o foguete de doze tiros. Durante uns dez minutos, não passou nenhum carro e ele pode respirar sossegado. Seu sossego durou pouco, dessa vez era um carro da policia, um camburão, assim que teve certeza se tratar de um carro da policia, tirou o isqueiro do bolso, saiu correndo e estalou o foguete. Da sua base foi correndo para um bar que ficava numa rua atrás da base três, ali Cesinha se misturava com os freqüentadores e podia ficar observando o momento em que os policiais fossem embora, para voltar a sua base, a base três. A incursão da policia durou pouco, eles estavam somente passando, sem nenhuma missão, foram na direção da boca, porem como os policiais não viram ninguem na pista e nem nada que chamasse a atenção deles, continuaram sua ronda e foram para outra parte da favela. Quinze minutos depois pegou outro foguete no quintal de uma casa abandonada e voltou para a base.
Ao longe pode ver Natalia vindo na direção dele. Natalia era a alegria dos fogueteiros, já tinha saído com quase todos que a boca tinha, cerca de quinze moleques. Ela parou ao lado dele sorrindo.
- oi Cesinha, tudo bem.
- to legal e você?
- tudo bem comigo.
- depois que eu sair daqui, vamos lá em casa?
Natalia olhou para Cesinha e riu. Natalia era uma menina bonita, tinha uns quinze pra dezeseis anos, era loirinha, tinha olhos negros bem envolventes. Poderia namorar um rapaz trabalhador, que não fosse envolvido com o trafico de drogas. Porem ela tinha mesmo era tesão por bandido, gostava de ficar conversando com os contenções e ficar fumando maconha com eles nas esquinas, geralmente sempre ia para algum lugar dar para eles depois do expediente. Já tinha transado no mato, no quintal da casa dos outros, no banheiro de boteco, tudo isso nas madrugadas, onde todos os gatos são pardos.
- vou sim, leva um pra gente torrar lá.
- pode deixar vou levar um do boldinho.
- que horas você vai sair daqui hoje.
- vou sair daqui lá pras três horas.
- três e meia eu vou lá na sua casa, vou ficar um pouco no baile com as garotas e depois eu vou pra lá.
- vou te aguardar hein.
Natalia foi embora e Cesinha voltou para o seu trabalho, começou a pensar nas coisas que ele e Natalia iriam fazer mais tarde, sabia que ela era muito boa de cama, já tinha transado antes e todas as vezes ela deixava nele, aquele gostinho de quero mais. Careta ela fodia muito bem, agora chapada de maconha ele a era um verdadeiro demônio na cama, fazia tudo e um pouco mais. Distraído pensando nela, cometeu um erro muito grave para um fogueteiro, confundiu um carro comum com um carro da policia e estalou o foguete. Quando o carro passou próximo dele, viu que tinha feito uma merda. Todos os bandidos se esconderiam ao ouvirem os fogos e depois ao saberem que foi um alarme falso, iam cobrar de quem deu o alarme. Não se passou dez minutos depois do alarme falso e um outro moleque da boca foi falar com ele.
- Aí tão te chamando lá na laje, querem desenrolar contigo a merda que você fez. Eu vou ficar aqui no seu lugar.
A laje onde os bandidos ficavam na noite fazendo a vigilância da favela, não era muito longe dali da base três, onde ele estava. Cesinha entrou no quintal da casa, subiu no muro e foi para a laje. Chegando lá em cima um dos traficantes foi logo lhe dando com o cabo do fuzil na barriga.
- qual foi a tua compadre. Você é maluco? Estourou os fogos sem ver a policia?
- Poxa, foi mal. Eu confundi uma blazer com a blazer da policia.
- foi mal é o caralho. Tu acha que eu gosto de correr atoa da policia. Se liga na tua responsa. Aí da um corretivo nesse filho da puta.
Cesinha fechou os olhos, sabia que ia apanhar. Tomou uma banda e quando caiu, levou chute pelo corpo todo, só teve tempo de proteger o rosto. Apanhou bem doído. Desceu da laje todo dolorido e com alguns hematomas, mas nada que o impedisse de continuar seu trabalho, ainda bem que não cortaram meu pagamento. Pensou e sorriu. Apesar das dores que sentia. Ainda transaria com Natalia. Voltou para sua base, o moleque que ficou no lugar dele, entregou o foguete e o isqueiro, antes de ir embora olhou para Cesinha.
- ainda bem que não te bateram muito. Uma vez tomei uma coça, que cheguei a mijar sangue.
- mas foi a primeira vez que eu errei, eles não tinham que reclamar, mas semana que vem vou sair dessa, vou começar a traficar maluco, essa de ser contenção não ta dando mais não, o bagulho é ser vapor.
Sozinho de novo na minha base. Tomara que a policia não venha de novo. Caralho, minha costela esta doendo um pouco, quando eu chegar em casa, vou pedir pra minha mãe colocar aqui um pouquinho de saião amassado com sal grosso e com certeza amanha vai estar legal. Não vou deixar a Natalia escapar de mim hoje. Hoje ela vai ser toda minha.
Um camburão da PM entrou a toda na favela, antes mesmo que cesinha pudesse estourar os fogos, os policiais largaram o dedo em cima dele, que saiu correndo e cerca de trinta metros depois da base três, conseguiu estalar os fogos, pular um muro e se esconder no quintal de uma casa. Pode escutar o barulho dos pneus do carro da policia e uns trinta segundos depois alguns tiros. Cesinha ficou escondido na casa cerca de meia hora e depois como não ouviu mais nada, saiu do esconderijo. Na rua encontrou um amigo com quem costumava fumar maconha nas horas de folga.
- ta tranqüilo? – perguntou cesinha.
- agora ta tranqüilo sim. Os caras ouviram os tiros e depois os fogos. Foi em cima de tu que os home deram?
- foi sim maluco, eu corri e estalei né.
- aí os home chegaram na boca neguinho e largaram o aço nos viciados tudo. Foi viciado pra tudo quanto é lado, os home desceram e deram tapa na cara de um monte deles. Sinistro. Esse plantão de hoje, os policia são neurótico, tudo endemoninhado, nem arrego eles aceitam. – explicou o puxa saco de traficante.
Cesinha continuou em sua base, olhou para o relógio, iam dar dez da noite. Porra! To cheio de fome. Esperou cerca de dez minutos até que viu Hugo, um menino de dez anos de idade, que fazia favores para os bandidos e contenções e que com certeza dentro de pouco tempo estaria na boca.
- cole menor chega aí!
O moleque veio, apertou a mão de cesinha.
- fala ai braço!
- da uma moral ai pra mim, vai até ali no MC lanches e compra um x - tudo e uma vitamina de banana sem aveia, fala que é pra mim.
- tranqüilo! Posso pegar um hambúrguer pra mim, to na maior larica?
- já é!
Cesinha estava saboreando o seu podrão, quando para seu azar viu o camburão se aproximando, deu uma ultima dentada no x-podrão, saiu correndo, acendeu o isqueiro e estalou o foguete. Se escondeu novamente no bar. Para seu azar o camburão foi na direção do bar. Cesinha pegou um taco de sinuca e ficou com ele na mão. O camburão parou na frente do bar, o sargento desceu e chamou cesinha.
- chega aí moleque.
Cesinha foi até o carro da policia.
- ta fazendo o que aqui? – perguntou o policial.
- eu estava jogando sinuca.
- jogando sinuca o caralho! Você é fogueteiro isso sim!
Sem que Cesinha esperasse, o sargento deu um tapa no pé do ouvido dele. A pancada foi com tanta força que sua orelha ficou quente e seu ouvido zumbindo. O sargento voltou para o camburão e foi embora. Cesinha voltou para o bar, lavou o rosto no banheiro e voltou para a sua base.
No restante da noite não teve mais nenhuma incursão da policia, depois da troca de plantão, os traficantes pagaram o arrego.

Gíria da favela
Arrego – dinheiro pago a policia para que durante determinado plantão não haja incursões nas favelas.
Bebeto, o outro moleque que fazia o terceiro turno da base três chegou, Cesinha entregou o isqueiro e o foguete, apertou a mão dele e foi embora. Foi a ultima vez que ele viu Bebeto, na manha seguinte Bebeto foi morto pela policia. Cesinha foi na boca, pegou sua diária, quarenta reais e foi para casa esperar por Natalia.

Julio Pecly

sábado, 3 de julho de 2010

MARGARIDA

A garota em êxtase brandiu o postal que recebera do namorado em excursão na Grécia :
- Coisa mais linda! Olha só o que ele escreveu: "Eu queria desfolhar teu coração como se ele fosse a mais margarida de todas as margaridas. "Marquinhos é genial, o senhor não acha?
- Pode ser que seja, não conheço Marquinhos. Se bem que antes da era Pierre Cardin, genial era Dante, Da Vinci, Einstein, outros assim. Mas essa frase não é de Marquinhos.
- Não é de Marquinhos?! Tá com a letra dele, assinada por ele.
- Estou vendo que assinou, mas é de Darío.
- Quem? O Darío, do Atlético Mineiro? Sem essa.
- Não minha florzinha, Darío, Rubén Darío, o poeta da Nicarágua.
- Não conheço. Então Rubén Darío falou para Marquinhos e Marquinhos
- Achou bacana e pediu emprestado a ele?
- Tenho a impressão que o Marquinhos não pediu nada emprestado a Rubén Darío. Tomou sem consultar.
- Como é que o senhor sabe?
- É muito difícil consultar o Darío.
- Por quê? Ele não dá bola para gente? Não gosta da mocidade? É careta?
- Não é nada disso. O Darío não é encontrado em parte alguma.
- Ah, ele gosta de bancar o invisível, né?
- Não creio que goste, mas é exatamente o caso dele: invisível.
- Não dá para entender.
- Vai entender logo. Ele morreu em 1916.
- Ah! E como é que o Marquinhos descobriu essa margarida, me conte!
- Simples. Leu num livro de poemas de Rubén Darío.
- Marquinhos não é ligado a leitura. Duvido.
- Se não leu no livro, leu em alguma revista, em alguma parte.
- Hã...
Ficou tão triste- os olhos, a boca, a testa franzida- que achei de meu dever confortá-la:
- Que importância tem isso? A frase é de Darío, é de Marquinhos, é de toda pessoa sensível, capaz de assimilar o coração à margarida... Desculpe: à margarida.
Muxoxo:
- Se é de todos, não é de ninguém, não vale nada.
- Pelo contrário. Fica valendo mais, torna-se sentimento universal.
- Ah, o senhor está por fora. Eu queria a margarida só para mim. Copiada não tem graça. A graça era imaginar Marquinhos, muito sério, desfolhando meu coração transformado em margarida, para saber se eu gosto dele, um pouquinho, bastante, muito loucamente, nada. E a margarida sempre com uma pétala escondida por baixo da outra, entende? Para ele não ter certeza, porque essa certeza eu não dava... Era gozado.
- Continue imaginando.
- Agora não dá pé. Marquinhos roubou a margarida, quis dar uma de poeta. Não colou.
- Espere um pouco. Eu disse que a margarida era de Rubén Darío? Esta cabeça! Esquece, minha filha. Agora me lembro que Rubén Darío nem podia ouvir falar em margarita, começava a espirrar, a tossir, ficava sufocado, uma coisa horrível. Alergia- que no tempo dele ainda não estava batizada. Pois é. Garanto a você, posso jurar que a margarida não é de Darío.
- De quem é então?
- De Marquinhos, ué.
- Tem certeza que nunca ninguém antes de Marquinhos escreveu ä mais margarida de todas as margaridas"? o senhor lê milhões, pode me responder. Tem certeza?
- Absoluta. Marquinhos é genial, reconheço. Mas, por via das dúvidas, continue escondendo uma pétala de reserva, sim?
- Pode deixar por minha conta. Puxa, quase que eu parava de transar com o Marquinhos por causa do senhor. Agora tá legal, tchau, vovô!
Vovô: foi assim que ela me agradeceu a mentira generosa, a bandida.

Carlos Drumond de Andrade