sexta-feira, 14 de junho de 2013
MEUS OITO ANOS
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus
— Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
CASIMIRO DE ABREU
sábado, 1 de junho de 2013
Serás Ministro
— ESSE VAI SER MINISTRO — sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu.
— E você, com esse ordenado micho de servente, tem lá poder pra fazer nosso filho ministro? — duvidou a mãe.
— Então, só porque meu ordenado é micho ele não pode ser ministro? A Rádio Nacional deu que Abraão Lincoln trabalhava de cortar lenha no mato, e chegou a presidente dos Estados Unidos.
— Isso foi nos Estados Unidos.
— E dai? Nem eu estou querendo tanto pra ele. Só quero uma de
Ministro.
— Tonzinho, deixa isso pra lá.
— Pra começar, a gente convida o Ministro pra padrinho dele.
— O Ministro não vai aceitar.
— Não vai por quê? Trabalho no gabinete há dois anos.
— Ele é muito importante, filho.
— Por isso mesmo. Com padrinho importante, o garotinho começa logo a ser importante.
— O Ministro é tão ocupado, você mesmo diz. Vê lá se tem tempo pra batizar filho de pobre.
— Pois sim. Ele me trata com toda a consideração, de igual pra igual. Hoje mesmo eu faço o convite.
Fez. O Ministro não pôde comparecer, mas enviou representante. Era quase a mesma coisa. Na hora de dizer o nome do menino, o pai não vacilou; disse bem sonoro:
— Ministro.
— Como? — estranhou o padre.
— Ministro, sim senhor.
A mulher ia atalhar: "Tonzinho, não foi Antônio de Fátima que a gente
combinou?" mas era tarde.
No cartório, também estranharam:
— Ministro por quê?
— Porque eu escolhi. Acho lindo.
— Não é nome próprio.
— Pois eu cá acho muito próprio. Não tem ai uma família chamada
Ministério, aliás com pessoas distintas, médicos, dentistas, etc.?
— Tem.
— Pois então. Meu filho é Ministro, só isso. Ministro Alves da Silva,
futuro cidadão útil à Pátria. Tem alguma coisa demais?
O garoto registrou-se. Cresceu. Na escola, a principio achavam-lhe
graça no nome. Parecia apelido. Depois, o costume. Há nomes mais
estranhos. Ministro não era o primeiro da classe, também não foi dos
últimos.
Já moço, o leque das opções não se abriu para ele. Entre o oficio sem brilho e o andar-térreo da burocracia, acabou sendo, como o pai, servente de repartição. Promovido a continuo.
— Eu não disse? —- festejou o pai. — Começou a subir.
O máximo que subiu foi trabalhar no gabinete do Ministro.
— Ministro, o Sr. Ministro está chamando.
— Ministro, já providenciou o cafezinho do Sr. Ministro?
— Sabe quem telefonou pra você, Ministro? A senhora do Sr. Ministro. Diz que você prometeu ir lá consertar umas goteiras e esqueceu.
— Ministro! Roncando na hora do expediente?!
Começaram os equívocos:
— Telefonema para o Ministro.
— Qual? O Ministro ou o Sr. Ministro?
— Este Ministro é um cretino! Me fez esperar uma hora nesta poltrona!
— Perdão, Deputado, o senhor está ofendendo o Sr. Ministro.
— Eu ? Eu ? Estou me referindo a esse animal, esse...
Até que se apurasse que o animal era Ministro, o contínuo — que
confusão!
O Ministro de Estado, ciente da confusão, recomendou ao assessor:
— Faça esse homem trocar de nome.
— Impossível, Sr, Ministro. É o seu titulo de honra.
— Então suma com ele da minha vista.
Mandaram-no para uma vaga repartição de vago departamento. Queixou-se ao pai, aposentado, que isso de se chamar Ministro não conduz a grandes coisas e pode até atrasar a vida.
— Ora, meu filho, hoje no bueiro, amanha no Pão de Açúcar. E você não tem de que se queixar. Num momento em que tanta gente importante sua a camisa pra ser Ministro, e fica olhando pro céu pra ver se baixa um signo do astral, você já é, você sempre foi Ministro, de nascença! de direito! E não depende de governo nenhum pra continuar a ser, até a morte!
Abraçaram-se, chorando.
Carlos Drummond de Andrade
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